A inovação como método

Lincon Shigaki
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Um "plano cartesiano" para o setor público

Entre os Séculos V e XV a Europa Ocidental vivenciou a Idade Média, com o predominante modelo de sociedade feudal. Neste período, existia pouca criticidade sobre os assuntos debatidos, pois se aceitava os estigmas da época como uma ordem natural – na maioria das vezes divina – dada a grande influência da igreja. Eis que surge um personagem com grande contribuição para mudar o padrão de pensamento – René Descartes.
Por se preocupar que o conhecimento tratasse apenas da “verdade”, criticava a filosofia da época por se assemelhar à uma coletânea de opiniões. Descartes sugeriu um método para construção dessas “verdades” (método cartesiano) – onde as afirmações devem passar por uma comprovação lógica e com procedimentos empíricos.

O que significa o método para uma instituição pública?

A palavra método tem origem grega (Metha + Hodós), que na sua origem significa “o caminho para a meta”. O conceito é amplamente utilizado na área de gestão por incorporar um “ceticismo metodológico”.
Se as atividades são eficazes para alcançar os objetivos estabelecidos, a estratégia é validada com sucesso. Caso contrário, não há argumento que justifique a manutenção dessas atividades, sendo necessário uma revisão na estratégia e nova experimentação. Desta forma, atingir um novo resultado significa um aprendizado institucional de um plano que funciona na prática.
Nas diversas organizações ainda é comum suposições baseadas em “sempre foi feito assim”, “falaram que não dá pra fazer”.
A cultura organizacional protege algumas práticas, mesmo que racionalmente não façam mais sentido. Por isso, a ausência de método acaba tornando “bom senso e intuição” os norteadores do trabalho. O risco do bom senso é o aprisionamento do pensamento crítico, que assim como ocorreu na Idade Média, é capaz de asfixiar a capacidade de inovação.
Uma mudança significativa que devemos considerar é a natureza dos problemas. No bom senso é predominante que os problemas tenham a imagem de “incêndios” que precisam ser “apagados” até que tudo se estabilize.
Já com o método, existe um outro tipo de problema. Trata-se da ambição por resultados melhores, atingindo um novo patamar de entrega de serviços. Desta forma, a clareza de objetivos mobiliza a equipe para encontrar novos métodos de trabalho e superar esse “bom problema”.

4 passos para iniciar com o método da inovação em governo

1. Definir o problema
Falconi define “problema” sendo um resultado indesejado. Por isso, afirma que instituições genuinamente preocupadas em melhorar seus resultados devem ter muitos problemas. Desta perspectiva, assumir os problemas não significa fragilidade, mas sim, compromisso com a evolução da instituição. O primeiro passo para o método é justamente a definição dos problemas. A distância entre o atual patamar de serviço e o patamar almejado é o “tamanho do desafio”. A sua clareza frente a equipe é o ponto central para que o método funcione.
2. Formular hipóteses
Outra questão importante é a formulação das hipóteses. Trata-se de suposições que irão mensurar o sucesso do “experimento”. As hipóteses podem estabelecer como o cidadão ficará sabendo da nova funcionalidade do serviço público, se esse cidadão espalharia o novo benefício no seu círculo social, se terá dificuldades na experimentação, se a instituição terá capacidade de atendimento em caso de divulgação viral. No geral, as hipóteses são divididas em hipóteses de valor, que mensuram a experiência com o usuário final do serviço, e a hipótese de crescimento, que mensuram as possíveis implicações da expansão do serviço.
3. Lançar o protótipo
No artigo Lean Government, comento que sejam construídos protótipos para validação das hipóteses. Ou seja, a orientação para a construir um serviço são as hipóteses, e não a imagem do “produto final”. As hipóteses podem ser testadas com limitação de escalas para evitar desperdícios. Quando o serviço estiver pronto para ser distribuído de modo amplo, já terá estabelecido o perfil do beneficiário do serviço público, solucionado problemas reais, e oferecerá especificações detalhadas para o que precisa ser desenvolvido.
4. Aprender e ajustar
A partir da experimentação, realiza-se uma análise de validação das hipóteses. É o momento de certificar que essas melhorias possuem importância para o cidadão, ajustando o protótipo com os feedbacks.

Conduzindo transformações positivas a partir do método

Implementar o método requer disciplina e interesse em aprendizagem organizacional. Da mesma forma que uma experimentação científica busca validar uma teoria, a execução de planos é o mecanismo para validar uma estratégia da instituição.
A inovação ainda está muito associada à características individuais, como criatividade e liderança. Apesar de serem características importantes, se estiverem desconectadas de um método desperdiça-se talento na tentativa de fazer algo diferente, e não necessariamente relevante.
O Método Cartesiano inspirou uma das mais profundas transformações da humanidade – a Revolução Científica. A contribuição do método se dá principalmente na mudança de modelo mental, onde as convicções da época começaram a ser colocadas “à prova”. Com isso, abria-se espaço para novos questionamentos, invalidando ideias infundadas e construindo novas tecnologias para a evolução da vida em sociedade.
No setor público em geral, as instituições possuem planos estratégicos, que são como as convicções da Idade Média quando não colocadas à prova. O método se torna importante para atribuir esse “ceticismo metodológico”, instaurando uma nova dinâmica capaz de construir estratégias com criticidade, que se mostrem efetivas ao ser colocadas na prática.
A WeGov entende que a inovação já acontece nas instituições com o talento dos agentes públicos. Porém, destaca o potencial de ampliar a capacidade inovadora do setor público se as instituições tiverem um olhar “finalístico”, que dê uma visão clara de problema e instigue a criatividade para conceber, testar e aprender a experimentar.

Por Lincon Shigaki

Lincon é Facilitador de Aprendizado da WeGov. Formado em Administração na Universidade Federal de Santa Catarina. Trabalhou com consultoria em gestão no Movimento Empresa Júnior, onde foi Presidente da Ação Júnior e da Fejesc. Acredita que podemos viver em um país melhor, e não consegue se ver fora do processo de transformação dessa realidade.

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