Refletindo sobre as habilidades para o trabalho

Você já ouviu falar das habilidades “hard skills” e “soft skills”?

Há algum tempo, a OCDE publicou um material modelo sobre as habilidades-chave para inovar no setor público, recentemente o Apolitical também apontou para o tema, criando um “tracker” para avaliação das habilidades do futuro.

Afinal, quais são as habilidades para o trabalho dos servidores públicos? Quais habilidades possuem e quais precisam desenvolver? Devemos nos preocupar mais com o quanto são bons em fazer algo hoje, ou sobre como vão aprender mais rápido para o futuro próximo?

OCDE e Apolitical já estão nos ajudando a encontrar as respostas. Aqui nas próximas linhas, convido você para refletirmos um pouco sobre isso.

Hard skills e soft skills: As habilidades para o trabalho

De maneira geral, os últimos cem anos transformaram a estrutura daquilo que entendemos como trabalho produtivo. As habilidades da “nova era digital”, estão relacionadas à produção de conhecimento, não à produção física.

Definiram-se dois grandes conjuntos de habilidades: hard skills e soft skills.
As hard skills são as habilidades ensináveis ou fáceis de quantificar. Normalmente, você aprende em sala de aula, através de livros , artigos, materiais de treinamento ou trabalhando.

As soft skills, são habilidades subjetivas que são muito mais difíceis de quantificar. Também conhecidas como “habilidades pessoais” ou “habilidades interpessoais”, a forma como você se relaciona e interage com outras pessoas.

Se você já passou por uma entrevista de emprego, leu ou acompanhou uma “conversa de RH” sobre desenvolvimento e avaliação de desempenho, já está familiarizado com esses termos. Segundo o Linkedin, já existe uma lista das habilidades mais procuradas pelas organizações.

A linguagem aqui pode estar nos pregando uma peça, quando ouvimos hard (difícil), involuntariamente pensamos no oposto como sendo easy (fácil). É uma armadilha equivocada. Por exemplo, em seus trabalhos, OCDE e Apolitical, nem sequer citam as palavras hard skill e soft skill, como duas categorias, indicando que as chamadas novas habilidades não se enquadram apenas nesses dois grandes conjuntos.

Habilidades para o setor público

Teoricamente, as habilidades para o trabalho não se diferenciam entre setor público x setor privado. Profissionais qualificados para o tempo espaço em que atuam, devem entregar valor para suas organizações independente de estarem ou não no setor público.

A Marília Assis entrou para a WeGov, após anos de trabalho e entregas no setor público. Em seu último cargo, as habilidades dela em inovação e em governo foram fundamentais para a estruturação do LAB.ges. Hoje, na WeGov, ela segue utilizando as suas habilidades e, claro, aprendendo novas.

Quando acontece o contrário, os profissionais do setor privado que migram para o setor público, gostam de dizer: “Eu vim do mercado!”, como se isso os qualificasse automaticamente para entregar valor no setor público. Cuidado, um profissional com habilidades ultrapassadas pode atrapalhar o desenvolvimento das novas habilidades no setor público.

O grande desafio é aprender a aplicar as habilidades em contexto adequado e também saber como aprender. O fato é que as oportunidades de aprender novas habilidades são mais limitadas no setor público do que no setor privado. Os servidores ficam imersos em rotinas operacionais que ocupam a maior parte do tempo ou trabalham para “apagar incêndios” atendendo a convocações emergenciais inesperadas.

O setor público está trabalhando com isso há algum tempo através da criação de ambientes que permitam a aprendizagem e desenvolvimento de novas habilidades que entreguem resultados (individual e organizacional). Os laboratórios de inovação costumam experimentar, aprender e construir, construir aprendendo.

Habilidades que resolvam problemas

Ter uma habilidade não necessariamente se traduz em entregar resultados e resolver problemas, o contexto importa muito. Não faz sentido dizer que hoje é importante saber datilografar. Há algumas décadas isso era essencial e hoje está obsoleto, pois são outras tecnologias disponíveis. Por outro lado, as habilidades de saber ler, escrever e usar um dispositivo eletrônico não são “habilidades do futuro”, mas são grandes diferenciais, trazem vantagens e te ajudam a resolver muitos problemas.

Uma habilidade está ligada a saber fazer algo, você só aprende a fazer algo fazendo e isso exige muita prática. Nem sempre os anos de experiência significam que você tem as melhores habilidades. No exemplo da datilografia, ninguém mais fala que possui anos de experiência em datilografar. Inclusive, “aprender a aprender” já é uma habilidade necessária, com cursos exclusivos para isso. Saber identificar um problema, com boas perguntas é uma grande habilidade humana.

Um outro aspecto relevante é que nenhuma habilidade é algo que nascemos sabendo. Nem mesmo o talento, que muitos apontam como divino, faz sentido em um contexto de aprendizagem constante. Temos que quebrar o mito do talento nato.

“Em um mundo cada vez mais ubíquo em tecnologias e automações, cabe a nós, humanizá-las na arte de aplicar nossas habilidades em contextos que resolvam problemas e melhorem a vida das pessoas.”

ANDRÉ TAMURA

Hard ou Soft?

Há alguns anos, um maluco ousou considerar o hard e o soft como algo integral, que funcionasse conjuntamente em total sinergia. Por acaso, esse maluco fundou uma empresa, por acaso essa ideia teve que combater outras já estabelecidas, por acaso o conflito não fez com a ideia fosse abandonada. Essa empresa é a Apple e não por acaso é a mais valiosa do mundo.

Entre as hard skills e soft skills, não seja apenas hard ou soft; público ou privado. Seja integral e entregue o seu melhor.

Por André Tamura

Pai e Marido. Fundador e Diretor Executivo da WeGov. Empreendedor entusiasta da inovação no setor público e das transformações sociais. Estudou Administração de Empresas e Ciências Econômicas. Desde que trabalhou como operário de fábrica no Japão, tem evitado as “linhas de produção”, de produtos, de serviços e de pessoas. Em 2017, foi condecorado com a Medalha do Pacificador do Exército Brasileiro.

Ana Camerano
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Qual é o seu perfil?

O Apolitical sintetizou as habilidades do servidor público do futuro! Os tópicos foram elaborados considerando os frameworks de competência dos governos no Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, Quênia, Austrália Meridional e África do Sul e de organizações que incluem as Nações Unidas, a OCDE e o Nesta.  Qual delas você possui?

ADAPTÁVEL

Ambientes de formulação de políticas são frequentemente de alta pressão e imprevisíveis, de modo que a capacidade de se alternar facilmente entre diferentes responsabilidades é uma característica importante para servidores públicos. Como tal, a adaptação à mudança é um tema central para frameworks de competências governamentais por todo o mundo.

O framework Australiano descreve essa habilidade como a capacidade de ”orientar e implementar mudanças” – os servidores públicos têm de ser capazes de se planejar para o curto e longo-prazo. O governo Canadense nomeia essa habilidade de ”adaptabilidade”, e um de seus principais componentes é o de ajustar e perseverar perante contratempos.

EXPERIMENTAL

Ideias só podem ser melhoradas sistematicamente se os profissionais se sentirem à vontade pensando fora da caixa, tentando novas abordagens e ultrapassando barreiras.

”Nós sempre fizemos assim” não pode ser uma desculpa para políticas e entregas ruins quando o setor público é confrontado desafios complexos.

O potencial inovador do governo não pode ser desbloqueado sem uma mentalidade criativa e experimental. Isso significa buscar ativamente melhorar os serviços, promovendo novas ideias e assumindo riscos calculados.

CURIOSO/A

Servidores públicos devem, continuamente, procurar novas maneiras de melhorar serviços e produtos. Como tal, a procura de oportunidades para o desenvolvimento está incluída em vários frameworks incluindo os do Reino Unido e da ONU.

O Reino Unido chama essa competência de ”mudar e melhorar” e afirma que as equipes que são flexíveis e questionadoras vão liderar a ”cultura da inovação” dentro do serviço público. Essa competência é chamada de um ”compromisso com a aprendizagem contínua” no framework da ONU, que significa que os servidores públicos precisam estar atentos a novos desenvolvimentos e mostrar disposição em aprender novas habilidades.

PROATIVO/A

Um servidor público proativo é orientado para a ação, focado em resultados e tem o objetivo de traduzir a visão mais ampla do governo em políticas públicas e programas concretos.

Isso envolve manter-se atento às prioridades e ao desempenho oportuno, lidando com desafios de maneira responsiva e estabelecendo uma visão de futuro persuasiva.

Nesta descreveu essa competência como uma inclinação à ação e ao aprender fazendo. Para a Comissão de Serviço Público Australiano, um compromisso com a ação engloba determinação, motivação e orientação para resultados. Mostrar iniciativa e energia não apenas proporcionam melhores resultados, como também empoderam outros a fazer o mesmo.

PERSUASIVO/A

Quando servidores públicos têm de fornecer uma informação ao público, eles são frequentemente encarregados de tornar políticas públicas complexas em narrativas convincentes.

Elaborar histórias persuasivas e acrescentar criatividade à formulação de políticas frequentemente aparece em frameworks globais de competência. Por exemplo, no framework da ONU, essa competência é chamada de ”comunicação”: aos servidores públicos é indispensável falar eficazmente. A OCDE explica isso como ”explicando a mudança de maneira que constrói apoio”, ou storytelling.

Adaptar a sua entrega de informação baseando-se na audiência e na finalidade serão elementos-chave para adquirir esse conjunto de habilidades.

COOPERATIVO/A

Um consenso entre a comunidade de políticas globais é o de estar aberto à ideias de outros e facilitar resolução de problemas em grupo são fundamentais à função dos funcionários públicos.

O framework Queniano afirma que funcionários públicos precisam reunir diversos pontos de vista juntos de maneira a atingir objetivos os quais chamam de ”traço comportamental de gestão de equipes”. De forma parecida, o framework de competência do serviço público Australiano chama de ”cooperação e parcerias” e declara que servidores públicos têm promover  ambientes onde o trabalho em equipe é valorizado.

ALFABETIZADO/A EM DADOS

Os dados não podem ser uma reflexão tardia em uma era de transformação digital. Os servidores públicos só serão capazes de aproveitar o potencial da análise de dados se forem proficientes em habilidades de coleta, visualização e análise de dados.

A OCDE identifica a tomada de decisão baseada em dados como uma habilidade básica para a inovação no setor público e o Nesta a cita como uma competência sem a qual a solução de problemas públicos não pode ocorrer.  Investir em alfabetização de dados possibilitará organizações do setor público a acelerarem a exploração de novas ideias e soluções.

REFLEXIVO/A

Uma habilidade, uma atitude e um hábito, ser reflexivo é fundamental para o desenvolvimento de competências, melhoria de ações e aprendizagem com os resultados.

Para o Nesta, o processo ”refletir criticamente sobre o processo e resultados” conduz a melhores soluções e experimentações de problemas públicos.

Para ser completo e eficaz, o serviço público como um todo, e os indivíduos dentro dele, devem ter a habilidade de refletir sobre suas capacidades, sistemas e visão.

QUAL É O SEU PERFIL?

Tracker de Habilidades do Futuro: Uma ferramenta em inglês de auto-avaliação para servidores públicos

Projetada para servidores públicos atarefados, o Rastreador de Habilidades do Futuro do Apolitical é uma ferramenta rápida e fácil para que você possa descobrir quais habilidades e competências são pontos fortes – e quais você deve focar para o desenvolvimento da sua carreira se tornar à prova do futuro.

Ao fazer o breve teste, você receberá pontuações em oito competências principais, além de links para recursos que você descobrirá úteis para o desenvolvimento futuro. Essas pontuações são confidenciais. Você também recebe um dos doze ”tipos de personalidade” – uma maneira divertida de se comparar com os colegas.

*Você deve levar de 5 a 10 minutos para completar o quiz.

O rastreador é fundamentado em uma pesquisa conduzida pelo Apolitical sobre frameworks de competência para governo, desde a Nova Zelândia à OCDE. Primeiro, eles identificaram as competências comuns para diferentes governos, para isolar as mais centrais ao serviço público.

Então, foram isolados oito conjuntos comuns de habilidades importantes não apenas agora, mas que provavelmente aumentarão em importância ao longo do tempo, à medida em que o governo é forçado a se adaptar à rápida transformação da sociedade e da tecnologia.  

👉🏻 Membros Apolitical: Iniciar o Tracker

👉🏻 Não-Membros: Iniciar o Tracker

*O Rastreador de Habilidades do Futuro é exclusivo a servidores públicos e decisores políticos. Sendo assim, está disponível apenas para membros verificados pelo Apolitical.

*traduzido por WeGov. Originalmente publicado por nossos parceiros do Apolitical.

Photo by Marvin Ronsdorf on Unsplash
https://apolitical.co/solution_article/the-future-skills-tracker/

Por Ana Camerano

Ana é formada em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Trabalhou no 3º setor como diretora de projetos sociais na cidade de Florianópolis. Tem experiência de voluntariado e estágio em países da América Latina e acredita que temos muito a aprender com os nossos vizinhos. Responsável por parcerias e relacionamento com o cliente, encontrou na WeGov uma maneira de impactar positivamente a sociedade através da co-produção e colaboração no setor público.

Patrícia Duarte
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Como funciona em diferentes partes do mundo

Admissão de pessoal no governo

Políticas públicas inovadoras e de qualidade são necessárias para fazer com que o Brasil se desenvolva econômica e socialmente. Para que elas sejam viabilizadas, é necessário termos uma administração pública organizada e engajada. O recrutamento de profissionais competentes e preparados e a gestão de performance desses profissionais podem ser consideradas, portanto, umas das principais alavancas para transformar o serviço público e implementar as transformações necessárias de um país.

No Brasil, a maioria dos funcionários públicos são admitidos via concurso público e contam com estabilidade, ou seja, só podem ser demitidos em casos descritos por lei. Será que em todo lugar acontece igual? A realização de provas escritas é um dos métodos mais utilizados no mundo todo para evitar patronagem, nepotismo e clientelismo na admissão de funcionários públicos. Ou seja, o método é usado para impedir que cargos públicos por razões escusas a pessoas sem habilidade para exercer o cargo. No entanto, muitos países têm procurado processos de recrutamento descentralizados e mais flexíveis, similares ao processo de recrutamento de organizações privadas, – que tem vantagens e desvantagens com relação ao método tradicional de exames escritos [2]. A seguir, tentei preparar um compilado de como funciona esses processos ao redor do mundo.

EUA

Os EUA usavam no passado apenas provas como método de admissão.  No entanto, uma pesquisa foi feita em 1978, onde foi relatado que o serviço público não atraía as melhores pessoas do mercado de trabalho e que havia corrupção no processo de seleção. Desde então métodos seletivos mais flexíveis têm sido utilizados para admissão, promoção e demissão de pessoas no setor público [2].

Hoje, 60% dos cargos utilizam-se de provas escritas de aptidão como principal processo de seleção de candidatos. Em alguns casos, o gestor pode escolher entre os 3 primeiros colocados ou entre todos os candidatos que performam acima de um certo limite no exame.

Em alguns casos são realizadas entrevistas; currículo e histórico acadêmico também são levados em consideração. O processo é centralizado, ou seja, existe um comitê de examinadores nacional que define e executa o processo de seleção em todos os órgãos. Não há estabilidade pública: os funcionários podem ser demitidos como na iniciativa privada [1][2].

Em 2010, presidente Obama lançou uma Reforma de Admissão, argumentando que a complexidade e a ineficiência do processo seletivo do governo federal impediam que profissionais qualificados procurassem a carreira no setor público [2]. Alguns órgãos têm se aproveitado da reforma para usar formas criativas de recrutamento. Dois órgãos nacionais, Veterans Affairs e NGA, têm utilizado as mídias sociais para divulgar vagas, engajar e tirar dúvidas de candidatos. O Departamento de Justiça criou um aplicativo para divulgação e inscrição de vagas. Outro órgão, o GSA, tem utilizado hackathons para recrutar funcionários nas áreas de tecnologia [6]. Algumas instituições têm utilizado os programas de estágios para treinar e preparar futuros empregados [7].

Os Estados Unidos obtiveram o décimo lugar do ranking do International Civil Service  Effectiveness Index (InCiSE), índice que compara quão bem o serviço público de um país performa em relação aos demais [8].

Canadá

As vagas são divulgadas em plataformas digitais do governo e os órgãos individuais são responsáveis pelo processo seletivo, ou seja, o processo é bastante descentralizado. Toda a seleção se dá de forma bastante semelhante ao setor privado: a aplicação é realizada de maneira online, com upload de documentos; após a análise de documentos, há etapas como entrevistas presenciais ou por telefone. Casos de corrupção ou de patronagem explícitos são raros, sendo o cumprimento da lei levado bastante a sério [1][4].

Recentemente o Canadá lançou o programa Canada’s Free Agent, uma plataforma digital para expor currículos e recrutar servidores para projetos específicos dentro do governo, permitindo que os gestores encontrem o servidor público com as características corretas para determinado projeto por um período específico, sem que o funcionário precise abrir mão de qualquer benefício que já tenha acesso. O programa permite flexibilidade para movimentar funcionários entre diferentes órgãos, permitindo ligar o funcionário correto à vaga mais facilmente, proporcionando maior eficiência e bem-estar dos funcionários [5].

Canadá obteve o primeiro lugar do ranking do International Civil Service Effectiveness Index (InCiSE) [8].

Reino Unido

Similar aos EUA [2]. Vale ressaltar que, no passado, o Reino Unido utilizava apenas provas como processo seletivo. No entanto, foi identifica a aprovação de diversos “concurseiros” que estudavam muito para os exames,  mas eram aprovados nas vagas sem terem habilidades. Desde então, métodos mais flexíveis têm sido aplicados na seleção [2].

Recentemente, foram definidos critérios de seleção de candidatos em uma estrutura chamada Perfil Campeão, utilizada em diversos processos seletivos. Esses critérios incluem: habilidade, técnica, comportamento, força, experiência [3].

O Reino Unido obteve o quarto lugar do ranking do International Civil Service Effectiveness Index (InCiSE) [8].

França

As vagas são oferecidas em um site do governo [4]. O processo seletivo geralmente envolve 3 etapas: análise de currículo, exames e entrevistas [1][4]. Os funcionários públicos também contam com a estabilidade pública, e há relatos de morosidade e ineficiências no setor por conta disso. A oferta de vagas tem diminuído pois existe um esforço para aumentar a eficiência e desinchar a máquina pública. Casos de corrupção relacionados a recrutamento de pessoas são raros e punidos com severidade [4].

França obteve o décimo oitavo lugar do ranking do International Civil Service Effectiveness Index (InCiSE) [8].

Holanda

As vagas são oferecidas nas plataformas digitais do governo. As vagas podem ser preenchidas, por candidatos que já são funcionários públicos, externos ou ambos, sendo que no último caso a preferência é sempre para a contratação de um candidato que já é do setor público.

O processo é descentralizado, ou seja, cada departamento é responsável por realizar o processo seletivo de suas vagas, seguindo algumas regras comuns. O processo seletivo se dá de forma muito parecido no setor público e privado, através de exames, análise de currículo e pelo menos uma entrevista. Durante as etapas do processo, a decisão da admissão é realizada em múltiplas instâncias, o que impede que a decisão fique centralizada numa só pessoa, evitando patronagem [5].

Holanda obteve o décimo quarto lugar do ranking do International Civil Service  Effectiveness Index (InCiSE) [8].

Austrália

Na Austrália, o governo tem estruturado a oferta de vagas de forma que sejam tão atrativas quanto a do setor público. Os trabalhadores de todos os setores são regidos pelo mesmo conjunto de leis, sem diferenciação, com pacotes de remuneração igualmente atrativos.

Os gestores públicos contam com pacotes de demissão voluntária e aposentadoria antecipada, o que evita que eles continuem assumindo o cargo apenas por motivos financeiros. Todos eles contam com um mentor de carreira que é um funcionário de alto escalão. Além disso, os gestores podem realizar programas de transferências temporárias para outras áreas dentro do setor público ou no setor privado.

Funcionários públicos aspirantes a altos cargos de gerência no governo contam com alguns programas para auxiliá-los a se preparem para tais cargos. O Sistema Integrado de Liderança é um programa de assessoramento de carreira desde os níveis mais básicos até as mais altas posições. Os funcionários aspirantes a cargos de gestão têm sua carreira acompanhada pelo Centro de Liderança e Aprendizado, um órgão que avalia as principais competências exigidas para altos cargos de gestão.

Como resultado, o governo da Austrália consegue captar talentos bem preparados com backgrounds diversos, do setor público e privado [9].

Nova Zelândia

Na Nova Zelândia, as vagas são postadas em uma plataforma do governo e o candidato é escolhido pelo gestor, como num processo do setor privado. As habilidades e méritos do candidato têm forte influência na decisão pela admissão. O processo é altamente descentralizado, ou seja, a decisão é do governo local [2].

A Nova Zelândia é um país onde reformas na administração pública têm sido bem-sucedidas e obteve o segundo lugar do ranking do International Civil Service Effectiveness Index (InCiSE) [8].

Nicarágua

Na Nicarágua, o processo é bastante parecido com o da Nova Zelândia, ou seja, é descentralizado, não há provas e exames, e o candidato é escolhido pelo gestor, como num processo do setor privado. No entanto, há relatos de que a entrada de funcionários é totalmente não meritocrática, meramente direcionada por politicagens. Isso demonstra que processos de recrutamento podem ou não funcionar de acordo com o ambiente que estão inseridos. Há autores que defendem que em ambiente onde o risco de patronagem é alto, métodos flexíveis de recrutamento podem não ser os mais efetivos [2].

Singapura

Em Singapura, o governo público adotou diversas estratégias para atrair melhores candidatos para o serviço público. Os salários são competitivos e contam com revisões constantes para manter competitividade com o setor privado, além do fato dos funcionários contarem com uma média de 100 horas de treinamento por ano e bolsas de estudo (incluindo no exterior). Há ainda a possibilidade de rotações em diferentes áreas para construção de competências.

Existe um acordo de performance onde são definidas as principais metas, entregáveis, comportamentos esperados e treinamentos a serem realizados. Há revisões intermediárias para avaliar atingimento e realizar correções. Ao final do período há uma avaliação. As promoções são rápidas e baseadas nestas constantes avaliações de performance.

Existe uma comissão com poder de advertir e demitir funcionários com base em regulamentos pré-definidos. Além disso, altos cargos gerenciais são limitados a 10 anos para abrir espaço para novos talentos [9].

Peru

O Peru implementou uma estratégia de criação do Cuerpo de Gerentes Públicos [CGP], grupo de profissionais capacitados, recrutados pelo Servir, uma entidade pública do Peru, para melhorar a seleção e performance de altos cargos no governo. Quando a necessidade é identificada, é aberto um processo de seleção generalista para cargos de gerência no governo. O processo seletivo inclui avaliação de currículo, avaliação presencial técnica e psicológica, entrevistas e dinâmicas por competência, verificação de antecedentes e adequação do profissional à vaga. Em seguida, os profissionais passam por 2 dias de treinamento, para então passar por uma etapa seletiva final de resolução de casos. Os candidatos aprovados ficam disponíveis num banco de talentos disponíveis para alocação e as instituições públicas podem aderir ao programa e captar os profissionais deste banco. As posições são por tempo determinado, com possibilidade de prorrogação a depender de avaliações de performance que ocorrem constantemente. Esta reforma no Peru se deu através de uma agenda compartilhada entre membros do executivo e legislativo [9].

Chile

No Chile o processo de recrutamento de cargos de alta gestão se dá por meio do Sistema de Alta Direção Pública. Neste sistema, as unidades públicas definem os cargos em aberto e as competências exigidas para cada um. Um conselho formado pelo governo, oposição e sociedade civil aprova as competências e libera para empresas privadas especializadas e headhunters captarem candidatos e realizarem as primeiras etapas do processo seletivo, com análise de currículo, avaliação de antecedentes e entrevistas iniciais. O conselho realiza entrevistas finais e monta uma lista com 3 a 5 nomes. Neste processo é levado em conta tanto competências gerenciais como políticas. As unidades públicas têm então direito à livre nomeação entre a lista de candidatos. Desempenho e cumprimento de metas são essenciais para renovação de contratos. A idealização e implementação dessa iniciativa no Chile se deu por esforço do governo oposição, população e think tanks [9].

Conclusões sobre admissão no setor público

Após o levantamento de como essas questões são tratadas em diversos países, traço algumas conclusões. De fato, não existe formato único, os países têm usado estratégias diferentes para enfrentar o desafio de contratar e gerir talentos no setor público. Além disso, a resposta não é simples: ao vermos os casos da Nova Zelândia e Nicarágua, observamos que uma mesma solução pode ou não ter bons resultados a depender do cenário em que o país se encontra, como cultura e risco de patronagem.

No entanto, podemos observar algumas tendências que tem se mostrado bem-sucedidas em diferentes cenários. Primeiramente, uma ampla divulgação com utilização plataformas digitais modernas aumenta a concorrência e torna o processo mais transparente e inclusivo. Além disso, a inserção de etapas de seleção com critérios técnicos e de habilidades, além da prova técnica, também parece ser lugar comum entre os países, sendo que diversos métodos podem ser testados aqui.

Para selecionar candidatos que sejam tanto considerados adequados para o cargo como que sejam viáveis politicamente, os países têm utilizados diferentes métodos de decisão final do selecionado. Algumas vezes a decisão é tomada por um órgão centralizado e externo à organização composto tanto por situação e oposição, ou às vezes há uma pré-seleção por competência, seguido por indicação política.

Uma gestão de performance bem definida, com um plano de carreira estruturado também tem um papel importante para garantir que os funcionários se mantenham empenhados e motivados em seus postos. A facilitação da mobilidade de funcionários em diferentes instituições dos governos tem um papel duplo de permitir a gestão de capacidade e oportunidades de desenvolvimento.

Acredito que muitos dos processos vistos nos outros países poderiam trazer muitas melhorias na gestão pública brasileira. Deixo aqui a minha proposta para discutirmos mais essas questões e trazermos métodos mais inovadores para o Brasil.

[1] https://folhadirigida.com.br/noticias/tema/especial-noticiario/diferencas-entre-o-servico-publico-no-brasil-e-no-exterior

[2] Sundell, A.; What is the best way to recruit public servants?;  Department of Political Science University of Gothenburg https://qog.pol.gu.se/digitalAssets/1378/1378579_2012_7_sundell.pdf

[3] https://quarterly.blog.gov.uk/2018/07/03/a-new-approach-to-recruitment-and-promotion-in-the-civil-service/

[4] Entrevistas feita pela Patrícia Duarte com locais do Canadá e da França

[5] https://oecd-opsi.org/the-edge-of-government-innovation/

[6] https://www.govloop.com/community/blog/innovative-methods-reshaping-government-recruitment/

[7] https://www.governing.com/topics/mgmt/gov-government-hiring-best-practices.html

[8] https://www.instituteforgovernment.org.uk/news/latest/new-index-ranks-best-performing-civil-services-world

[9] Benchmarking feito pela empresa BCG para o grupo Agenda do Futuro.


unsplash-logoClem Onojeghuo