Resumo do Capítulo 5 do [eBook] "Dá pra fazer", e entrevista com Álvaro Gregório
O livro “Dá pra fazer” é um conjunto de relatos experimentais dos membros da equipe da Assessoria de Inovação em Governo (iGovSP) sobre inovação na gestão pública. O livro orienta os gestores públicos sobre o tema, desde a fundamentação e motivos para inovar em governo até a apresentação de métodos e alternativas para iniciar o processo de mudança no setor público.
Um caminho para o Design de Serviços Públicos
O capítulo inicia com a reflexão de que trabalhar com os problemas complexos que envolvem vários atores da sociedade para obter melhores resultados, leva o Governo além do desafio da inovação. O autor sugere que, dentre as inúmeras metodologias de gestão existentes, o Design Thinking pode ser adaptado para o contexto do Serviço Público e ser um caminho para desenvolver projetos de inovação no Governo.
Álvaro lista as vantagens do Design Thinking:
Focando no usuário, em suas necessidades e satisfação, ao invés de focar no sistema do governo; Reunindo técnicas e ferramentas já conhecidas na maioria, porém em um contexto de trabalho inovador; Sendo flexível como método, variada como instrumental e rápida para o entendimento e prática; Trazendo uma linguagem comum a áreas especialistas diferentes, sem criar conflitos de métodos.
Para explicar mais sobre Design, Álvaro apresenta uma imagem que possui os níveis do design (estratégico e operacional) e os saberes básicos e transdisciplinares que constituem um projeto.
O estratégico está ligado à definição do problema, necessidade ou oportunidade, enquanto que o operacional concentra-se na entrega, tangibilidade e implantação da solução. O design é o processo de fazer coisas melhores para as pessoas, coisas que sejam desejáveis, práticas e viáveis.
Para Álvaro a escolha de uma abordagem metodológica baseada em Design Thinking e Design de Serviços parece óbvia para apoiar a inovação em serviços públicos, uma vez que possui as seguintes características:
Cuida dos aspectos da complexidade e que são originadas no Design Centrado no Humano;
Prioriza o cidadão, no lugar da estrutura das organizações ou dos sistemas que as restringem;
Torna compreensível e interpretável a complexidade de situações e problemas de governo;
Possui abordagem de rápida execução e implementação, com flexibilidade;
Proporciona veloz curva de aprendizado entre funcionários públicos e boa tática em casos de co-criação de serviços com o cidadão.
Álvaro relata cinco dos dez Princípios Orientadores para a Experiência do Cidadão reunidos pelo especialista em serviços inovadores Jeff McMullin acreditando que compreender estes princípios seja o background para projetar os melhores serviços públicos:
Experiência do cidadão é sobre pessoas;
É sobre a relação entre os cidadãos e o governo. A experiência do cidadão é a base dessa relação;
Como parte dessas responsabilidades, o governo deveria, por vezes, ser um parceiro e participar na conversa, oferecendo e usufruindo da colaboração e da co-criação;
Outras vezes, o governo deveria ser um fornecedor. Ele deve apenas trabalhar, de forma simples e sob demanda.
Estes papéis de parceiro, fornecedor e participante estarão presentes a cada interação
O autor ainda afirma que é desejável, porém não sem esforço, que a capacidade de mudança do pensamento, do modelo mental ou mindset dos envolvidos no projeto, anteceda à adoção do Design Thinking.
O modelo mental deve ser ampliado para as possibilidades para a criação e inovação. E o motivo principal é que a complexidade e a velocidade dos problemas e oportunidades não são suportadas pelo pensamento analítico como era no Século XX (justificado por José Antônio Carlos no capítulo 3, Inovação Organizacional no Setor Público).
Etapas do Design Thinking:
Aparentemente lineares talvez para efeito didático, o mais importante é a característica iterativa, ou seja, a repetição avaliativa das etapas antes (ou depois) de avançar à próxima, o que possibilita avanços incrementais.
Empatia: Decisiva no momento de Definições (entender, observar e definir) a Empatia será recorrente, a depender das características do projeto, nos momentos de Ideação e Prototipação. Nesta etapa é importante registrar a experiência enquanto cidadão, o que sente, o que ouve, seus sentimentos, reações, frustrações, enfim colocar-se no lugar do outro. Pode ser feito em áudio, foto, anotações. Usualmente as pessoas utilizam o mapa de empatia:
Definir qual é o problema, necessidades ou possíveis melhorias | Imersão:
Álvaro alerta que a definição errada do problema vai gerar outro problema ele afirma que é fácil confundir a consequência com o problema e assim reduzir a possibilidade de análise e soluções à simplicidade dessa consequência.
Por vezes os problemas não foram resolvidos por algum impedimento legal, por falta de recursos, por falta de apoio político ou por tudo isso que chamamos restrições do projeto. As restrições representam, no design de serviços, a fonte de oportunidades em inovar.
Uma técnica eficaz para essa percepção e entendimento é o Storytelling – contação de histórias. O Storytelling também será empregado nas etapas de ideação e implementação, então será bom adotar como prática comum e organizada.
Ideia na hora certa: O autor diz que não temos como, nem devemos, controlar o fluxo de ideias durante o desenvolvimento das etapas, mas cabe aqui diferenciar os insights ou intuir algo no decorrer do processo e apropriadamente trabalhar na produção de ideias e soluções para o desafio encontrado.
Os insights podem acontecer a qualquer momento e são excelentes agregações que muitas vezes nos salvam, mas quando não acontecem improvisar pode ser perigoso.
Ele cita os sete padrões observados por Steven Johnson na criação de novas ideias e que, uma vez compreendidos, dão nova dimensão à produção criativa:
1. O adjacente possível;
2. Redes líquidas;
3. A intuição lenta;
4. Serendipidade;
5. O erro como aprendizado;
6. Exaptação;
7. Plataformas.
Isto deve servir ao background da Ideação, na medida em que compreendemos, sem necessidade de classificar com essa série de nomes inéditos ao nosso vocabulário, que as boas ideias não surgem do nada, mas afloram em um ambiente frutífero nos níveis mental, interpessoal, social, tecnológico e corporativo. A IDEO enumera sete regras para a execução do brainstorming.
Prototipar cedo para errar logo: O protótipo ajuda a tornar tangível aquilo que, se permanecer apenas como ideia, dificilmente será completamente entendido. Para esta esta etapa Álvaro propõem os seguintes formatos de protótipos – de baixa fidelidade:
Teatralização: a equipe encena o processo de atendimento ao cidadão, com todos os atores desempenhando o roteiro de inovação concebido para o serviço.
Blocos Lego: Pode ser substituído por qualquer forma de representação em 3D, o importante é criar o movimento e poder perceber como funcionará.
Storyboard: como numa história em quadrinhos, conte de forma ilustrada como será prestado o serviço.
Jornada do Usuário: o melhor substituto ao fluxograma, em seu entendimento. O canvas, criado por Stickdorn e Schneider, é fundamental ferramenta de planejamento de novos serviços.
Quanto mais cedo testamos, mais cedo erramos. Esta é uma etapa onde erros e acertos aparecem e, com eles, aprendemos.
Modelo de negócios em Governo?
Um modelo de negócios não foca estritamente no lucro, mas na sustentação de um produto, serviço ou ideia ao longo do tempo, posicionando, em nosso caso de serviços públicos, os órgãos e pessoas envolvidas quanto ao que é esperado na implantação de um projeto de alcance maior.
Com pequenas adaptações, o modelo de Osterwalder (Business Model Generation – Inovação em Modelos de Negócios) pode ser utilizado por áreas de governo, com ganhos de visão estratégica e controle operacional, especialmente quando o projeto envolve parcerias e busca atender determinado perfil de cidadão.
Álvaro finaliza o capítulo apresentando uma versão para negócios públicos que foi adaptada de forma livre e aberta a novas colaborações, exclusivamente para o livro:
Entrevista Álvaro Gregório
Um caminho para o Design de Serviços Públicos
Álvaro Gregório é administrador público, mba em internet technology e mestre em educação, administração e comunicação. Atua na Assessoria de Inovação em Governo do Estado de São Paulo. Está no setor público desde 1981, implantou e gerenciou o e-Poupatempo e criou para o governo eletrônico de São Paulo o Portal Cidadão.SP, a iGovSP – Rede Paulista de Inovação, o inovaDay e o projeto de Open Data Gov – Governo Aberto. É professor no curso superior de Design da Universidade Anhembi Morumbi, no curso MBA de Excelência Gerencial da FIA/USP e do MBA de Gestão e Engenharia de Produtos e Serviços do PECE Poli USP.
Gabriela Tamura: Você mencionou que a escolha de uma abordagem metodológica baseada em Design Thinking e Design de Serviços parece óbvia para apoiar a inovação em serviços públicos. Por que ainda são utilizadas abordagens tão ultrapassadas no governo?
Álvaro: A escolha de design thinking é óbvia para os desafios públicos devido às características dos problemas em governo, como a complexidade, a importância de centrar no cidadão e obter profundo conhecimento do público-alvo, que possui perfis variados, aumentando os altos níveis de incerteza quando se trata de serviços públicos. Enfim, temos que lançar mão de uma abordagem metodológica que possa lidar com isso, com a não-linearidade, com colaboração e com o pensamento integrativo, por isso o design thinking parece-nos uma escolha evidente.
Isso não significa que outras abordagens de inovação, como o Funil, Scrum, teoria U, Stage Gates ou de resolução de problemas, como GUT, 5W1H, estejam ultrapassadas, mas dificultam sua utilização porque tentam objetivar coisas que são subjetivas e, em geral, estão muito afastadas de uma estratégia centrada no cidadão e em aspectos emocionais da experiência de um serviço público, por exemplo.
É mais fácil desenvolver serviço público centrado no sistema, pra isso, qualquer método analítico serve, mas será só o sistema que vai funcionar. A relação cidadão-serviço não será sequer percebida, ou seja, não vai funcionar como serviço ao público.
Gabriela Tamura: Ao analisarmos os procedimentos de instituições públicas normalmente chegamos à conclusão de que algumas práticas são desnecessárias, onerosas e obsoletas. Mesmo depois de um processo de Design Thinking as pessoas têm dificuldades de colocar em prática as ideias inovadoras, qual seu conselho para que elas não desanimem?
Álvaro: Você está certa, o design thinking é um processo, não um produto que se compre e instale. A resistência à inovação, apesar de acontecer também no setor privado, é quase que esperada no setor público.
Alguns dizem que é por causa da estabilidade do funcionário e da falta de concorrência do governo, características do setor. Eu acho que o principal motivo é a falta de Cultura de Inovação, por isso insistimos no convencimento de colegas, em palestras, escrever artigos, participar de cursos e promover eventos, como o inovaDay. A primeira dimensão é a cultural, a segunda é a da Capacitação, e ambas devem ter ações simultâneas nas organizações públicas de ponta.
Mas não posso dizer nada que possa conter o desânimo frente ao imobilismo, a não ser “faça isto ser divertido como uma descoberta”. Quem estuda o design thinking, por exemplo, e toca um projeto seguindo suas etapas, sabe que, além de mais produtivo, é divertido descobrir o que ninguém viu antes e melhorar a partir disso. Talvez assim convença os outros a acreditar que dá pra fazer.
Gabriela Tamura: Você concorda que a estrutura do governo engessada e pautada na burocracia é um ambiente hostil para o Design Thinking / inovação?
Álvaro: A burocracia é ambiente hostil para a vida humana, não somente para a inovação. Não há muito em que concordar com hierarquias centralizadoras, mas apenas discordar também não adianta.
Temos que perguntar de que forma conseguiríamos trabalhar em gigantescas organizações, como o governo, de modo a manter objetivos, metas, produtos, serviços, qualidade e valor, com motivação e desenvolvimento pessoal, sem ter que construir uma rede centralizada baseada na hierarquia da autoridade para fazer cumprir esses propósitos. A questão talvez passe em saber como operar uma rede social laborativa, baseada no conhecimento de cada colaborador da organização. Por onde começar?
É claro que já existem alternativas, como a holocracia, que é uma das que mais gosto, mas quando você olha pro governo como um todo, sabe que não vai caber. Temos que redesenhar o governo, em forma, função, significado e valor.
Gabriela Tamura: Você já adotou o Design Thinking no serviço público? Conte um pouco sobre sua experiência.
Álvaro: Adotamos um novo modo de pensar, que se soma ao que já praticávamos, dando-lhe oportunidades de desenvolvimento de um ponto de vista especial e mais madura. Por isso chama-se Design Thinking, pensar sob a ótica do design. Uma vez apreendido, muda-nos pra sempre.
Dito isto, creio que todos os projetos em que fui envolvido nos últimos anos tem ingredientes e técnicas do Design Thinking, mesmo antes da organização do tema, como por exemplo o Poupatempo, o Portal Cidadão, o site do Governo Aberto (uma boa experiência de inovação aberta), o inovaDay, isso pra falar dos projetos internos.
Outros, que participamos mais como estimuladores, como no Metrô-SP, na SABESP e na Secretaria da Fazenda, estão em desenvolvimento dessa cultura, da formação do olhar. Tem um exemplo bem legal, que é o da Biblioteca São Paulo, executado pelo Tellus, que pode ser visto no Youtube como o Projeto +60.
Além desses, teremos a partir do final do ano, o início das operações do iGovLab, o Laboratório de Inovação em Governo, que trabalhará fortemente em prototipagem de projetos complexos, com a abordagem do Design de Serviços Públicos.