O início da meritocracia no Brasil

Pedro Manerich Nicolau
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O Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP)

Fonte: elaboração própria, com base na série histórica (censos) do IBGE.

Como surgiram os concursos públicos no Brasil? O que levou o país a necessitar de funcionários mais qualificados no setor público? Como surgiu o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP)?

Com o início da República no Brasil (1889), novas demandas surgiram para o Estado, de forma que se fez necessário um aumento da intervenção estatal na economia e na sociedade brasileira. Essa demanda só foi atendida, de fato, com a chegada de Getúlio Vargas à Presidência da República no ano de 1930.

Com o aumento das ações do Governo na sociedade brasileira, houve um aumento no número de órgãos, e, consequentemente, um aumento no número de funcionários públicos. Até Vargas, essas vagas eram preenchidas por “apadrinhamento político”, sem critérios de escolha dos melhores candidatos, o que fazia com que o serviço público fosse um antro de funcionários indicados pelos políticos.

Os primeiros censos realizados no Brasil mostram um aumento no número de funcionários públicos. Entre 1872 e 1900, o aumento, inexpressivo, se deu nos empregos civis. Já a partir de 1900, o aumento é justificado pelos momentos de conflitos mundiais, assim, para se proteger de possíveis ataques, houve um aumento no número de militares no país. Nas décadas posteriores a 1920, com a chegada de Getúlio à Presidência, começou a nova fase do Governo, que se caracterizou por uma maior intervenção estatal nas diversas áreas da sociedade.

Mesmo com um aumento no número de funcionários, não havia um inchaço no serviço público, mas, os interesses políticos prevaleciam e os empregos eram preenchidos por indicações, e não por méritos.

Meritocracia, um começo

Promulgação-Constituição-1988-WeGov

A meritocracia começou com a chegada de Vargas ao Poder, sendo que, entre 1935 e 1936, foi criada a “Comissão Mista da Reforma Econômico-Financeira” e a “Comissão de Reajustamento”. Através de Decreto-Lei, em 1936, foi aprovado o primeiro plano de classificação de cargos baseado no sistema de méritos, criando o Conselho Federal de Serviço Público Civil (CFSPC), que teve uma vida curta, pois, no ano de 1937, Getúlio deu um Golpe de Estado, fechando o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas.

Vargas elaborou uma nova Constituição, na qual, estava previsto no artigo 67 a criação de um Departamento Administrativo junto à Presidência da República, que seria o responsável pela realização de concursos públicos. Assim, em 30 de Junho de 1938, através do Decreto-Lei 579, surgiu o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), subordinado diretamente ao Presidente da República, e sendo dirigido por Luiz Simões Lopes, um dos grandes entusiastas da Reforma Administrativa.

Competia ao DASP a realização de concursos públicos, o aperfeiçoamento dos funcionários e a elaboração da proposta orçamentária. Além disso, o DASP ficou incumbido pela elaboração do primeiro plano quinquenal do governo, o chamado “Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional” (1939-1943). Também elaborou o primeiro “Estatuto do Funcionário Público Civil” (1939); o “Plano de Obras e Equipamentos” (1943); criou a “Fundação Getúlio Vargas” (1944); a “Revista do Serviço Público”; e a “Revista de Direito Administrativo”, além de conseguir enviar 200 funcionários ao exterior, anualmente, para especialização, e trazer as novas experiências adquiridas para o Brasil.

Até 1943, mais de 200 mil pessoas fizeram as provas do Departamento, mas, apenas 10% conseguiram aprovação, pois a grande maioria não estava preparada para a alta exigência dos concursos. Dessa forma, Simões criou a FGV com a intenção de preparar essas pessoas para os concursos do Departamento.

Em 1945, após a queda de Getúlio, o DASP ficou responsável somente pelos concursos públicos. Porém, o velho empreguismo político voltou à cena nacional e os cargos voltaram a ser preenchidos pelos interesses dos políticos. O DASP não foi extinto, mas não conseguiu trazer a meritocracia à seleção dos candidatos, pois, além do retorno do empreguismo político, a industrialização não era mais nascente, o que fazia com que houvesse a necessidade de criação de novos órgãos públicos para o controle, fiscalização e coordenação do novo cenário da economia brasileira.

A burocratização e centralização do DASP não coincidiam mais com a quantidade de órgãos existentes, visto que não caberia mais à Presidência da República o controle direto de todos os conselhos, comissões, institutos, etc. A saída encontrada para controlar os novos órgãos foi a descentralização da máquina pública, conhecida como Administração Indireta, que era feita através das Autarquias, Fundações e Institutos. Já a reforma de 1967 possibilitou a contratação via CLT, o que fez com que os cargos considerados de “alto escalão” fossem preenchidos pelos interesses dos políticos, trazendo o “empreguismo” ao setor público novamente.

Com o fim do Regime Militar em 1985, o DASP já mostrava-se desgastado, e era necessário uma nova reforma administrativa. Destarte, através do Decreto 93.211 de 1986, foi criada a Secretaria de Administração Pública da Presidência da República, e, por esse mesmo decreto, o DASP foi extinto.

Durante os seus quase 50 anos de existência, o Departamento enfrentou dificuldades para manter-se em funcionamento, passando por inúmeras tentativas de extinção. O órgão modernizou a máquina pública no Governo de Getúlio, mas, devido ao clientelismo, após a queda do ditador, o órgão não conseguiu mais se reerguer, e mesmo com as mudanças previstas pelos decretos-leis nos outros governos, acabou sendo extinto na redemocratização do país.

O Departamento modernizou a seleção de candidatos aos cargos públicos em uma época em que o Governo brasileiro estava começando a ter uma maior intervenção na sociedade. Podemos dizer, portanto, que o DASP foi o principal idealizador da meritocracia na máquina pública, fazendo com que, após quase 50 anos, os concursos públicos voltassem ao cenário público nacional.

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