O que a comunicação de dados entre o Whatsapp e o Facebook e a Lei de segurança cibernética na China nos alertam?
Recentemente a China criou uma lei de cibersegurança com a finalidade de evitar ameaças com a pirataria e o terrorismo, mas a medida alertou empresas internacionais e grupos de direitos humanos. Isso porque a norma, que entrará em vigor em junho de 2017, exige que os dados sejam armazenados em servidores daquele país, inclusive, dispõe de critérios duvidosos para revisões de segurança.
Trata-se de uma manobra legal que também acaba atingindo os usuários chineses que já estão sujeitos ao mais sofisticado mecanismo de censura online. A justificativa dos governantes é de que o desenvolvimento nacional do país depende do uso adequado e seguro da rede.
Com a referida lei, os operadores de infraestrutura de informações críticas deverão armazenar informações pessoais e dados de negócios importantes na China, além de fornecer um suporte técnico para agências de segurança, e serem submetidos a revisões de segurança nacionais.
As medidas que o governo alega ter intuito protetivo, podem dar brechas para que empresas que atuam na China sejam obrigadas a conceder informações sensíveis de seus produtos e serviços para poder ter acesso ao uso da internet, colocando em risco os direitos de propriedade intelectual.
Longe de ser um protecionismo comercial, a liberdade de negociação naquele território soberano pode sofrer restrições com a vigência da lei de cibersegurança, embora muitas das práticas descritas nesta norma já sejam aplicadas rotineiramente sem uma codificação específica.
Segurança Nacional
A superpotência alega que a segurança nacional está em risco com o uso ilimitado da rede, sobretudo em se considerando a espionagem e a ação criminosa no cenário econômico e inclusive com prejuízos às defesas militares. A medida é extremamente restritiva, e não há como haver interferências de outros países para tentar coibir a adoção tão rigorosa desse sistema de proteção no ciberespaço.
Em contrapartida ao excesso de preocupação da China em relação ao uso seguro da internet por seus nacionais e às interferências de outros usuários, o Brasil tem engatinhado para garantir a segurança dos internautas brasileiros.
Desde 25 de agosto último está valendo uma alteração realizada pelo Whatsapp em seus termos de uso, segundo a qual o aplicativo realiza troca de dados dos usuários com o Facebook , supostamente para garantir ofertas de publicidade e de mídia digital. Alertei sobre esta prática em recentes palestras sobre direito eletrônico, e para minha surpresa a maioria dos presentes nunca tinha realizado a leitura dos termos de consentimento de quaisquer dos aplicativos usados nos dispositivos móveis.
No momento do cadastramento na rede social de comunicação por mensagens, o interessado é questionado se concorda com todas as imposições apresentadas pelo gerenciador do aplicativo, como em conceder uma licença global para as empresas do grupo Facebook acessarem as informações para fins de acompanhamento do uso e de ofertas de publicidade. Além disso, há uma cláusula específica em que também há autorização para que esses mesmos dados sejam transferidos a terceiras empresas sem qualquer ressalva. Se não concordar, não há outra alternativa ao usuário senão ficar fora da rede.
Outro ponto bem relevante é que, ao aceitar os termos de uso e consentimento, o interessado afirma ter ciência de que falhas se segurança podem ocorrer, e o acesso à rede social isenta qualquer funcionário do Facebook ou do Whatsapp , inclusive membros da direção e acionistas, de qualquer responsabilidade por danos ou prejuízos causados a partir desses incidentes.
Em razão de toda a fragilidade dos termos impostos aos usuários e da coleta irrestrita de informações, a Alemanha já havia conseguido impedir essa comunicação entre os aplicativos desde 27 de setembro, e, nesta semana, o órgão regulador do Reino Unido (Information Commissioner’s Office) fez um acordo com o Facebook a fim de suspender o processamento desses dados.
A segurança cibernética no Brasil
No Brasil, passados mais de dois meses da modificação dos termos de uso do Whatsapp , medida semelhante está sendo intentada pelo Instituto de Defesa do Consumidor por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), e ainda não temos resultados positivos, mas espera-se que a postura seja revista no país também.
Enquanto a China exerce um controle absoluto sobre o uso da internet em seu território, o Brasil ainda não tomou consciência da importância da adoção de medidas preventivas para impedir falhas de segurança na utilização da rede mundial de computadores.
Marco Civil da Internet
O Marco Civil da Internet, publicado décadas após o serviço ter sido disponibilizado em terras tupiniquins, ainda é um frágil instrumento legal para coibir condutas prejudiciais aos usuários brasileiros, sobretudo porque não concede aos magistrados e aos órgãos de fiscalização ferramentas adequadas para evitar que a segurança seja comprometida.
Além da falta de conscientização e de educação das pessoas sobre o uso seguro da internet, percebe-se que a ausência de dispositivos legais favorece ações criminosas no ciberespaço, além de posturas contrárias aos direitos dos consumidores por parte de organizações e empresas internacionais.
A inexistência de barreiras territoriais para utilização da internet não pode servir de alavanca propulsora para posturas coniventes por parte do poder público. O interesse dos chineses na regulamentação de diversas condutas por pessoas físicas e jurídicas na internet serve-nos de exemplo para que dediquemos esforços no sentido de criar uma legislação realmente protetiva e que englobe o máximo de ações potenciais, até mesmo para colaborar na atuação dos órgãos de repressão.
Conclusão
É de se concluir que não precisamos ser tão radicais quanto os orientais no disciplinamento das hipóteses de permissão, mas já passamos do estado de alerta para a criação de comissões e grupos de trabalhos a serem constituídos com a finalidade de realizar a reestruturação do sistema protetivo legal também da internet no Brasil, especialmente porque não existe um Edward Snowden em cada esquina para relatar detalhadamente ações invasivas e violadoras das normas protetivas da intimidade e da segurança nacional.
Publicado originalmente em Emporio do Direito.
Foto: Riku Lu.