Resumo do Capítulo 3 e entrevista com José Carlos "Pepe".
O livro “Dá pra fazer” é um conjunto de relatos experimentais dos membros da equipe da Assessoria de Inovação em Governo (iGovSP) sobre inovação na gestão pública. O livro orienta os gestores públicos sobre o tema, desde a fundamentação e motivos para inovar em governo até a apresentação de métodos e alternativas para iniciar o processo de mudança no setor público.
A coluna ‘Dá pra fazer’
No texto anterior fizemos um texto com o resumo e entrevista do segundo capítulo do livro com Senhor Sérgio Bolliger.
Neste seguimos para o capítulo 3, com o Senhor José Carlos – o Profº. Pepe, que escreveu sobre inovação organizacional no setor público.
Depois do resumo você pode conferir a entrevista que realizamos com o autor. Aproveite 🙂
Inovação organizacional no setor público
Resumo do capítulo
O autor inicia o capítulo alertando que as atuais gerações além de viverem uma era de mudanças estão vivendo num fenômeno mais raro ainda que é a mudança da era – série de inovações disruptivas que transformam as organizações, a economia e as relações sociais e culturais. Só tivemos três grandes eras econômicas: agrícola, industrial e a do conhecimento. Para cada era o autor listou algumas inovações.
Para era agrícola José Carlos falou sobre a invenção da enxada, tear, artesanato de cerâmica e dos tecidos. Já na era industrial as invenções foram o uso do carvão como fonte de energia, a máquina a vapor, a mecanização das atividades têxteis, abertura de canais e a construção de estradas de ferro. Por fim na era do conhecimento surgiram as inovações tecnológicas associadas às corridas armamentista e aeroespacial que baseou a indústria microeletrônica centrada na produção e comercialização do conhecimento com um incessante conjunto de dispositivos para tratamento e comunicação de dados e imagens como os smartphones, computadores, microcomputadores e notebooks.
Essas novidades criam maiores possibilidades para a globalização que alarga o fluxo de inovações e cria o momento ideal para outra era em que a sociedade é articulada em rede e o conhecimento como insumo e onde os governos e empresas deverão atualizar-se frente essa nova era.
Conceitos
O autor revisita conceitos de Taylor, Ford e Weber, pois acredita que para tentar entender situações semelhantes vividas pelo homem ao longo de sua longa trajetória essa volta ao tempo é necessária, pois ele afirma que ao debruçarmos sobre marcos históricos adequados, arrancaremos deles pistas que nos ajudarão a errar menos, corrigir rotas e a construir cenários mais prováveis.
Da mesma forma que a indústria levou um bom tempo para apagar os vestígios da era agrícola, desenvolver métodos próprios de trabalho e criar um modo industrial de enxergar o mundo, a economia do conhecimento ainda terá um bom caminho a percorrer para sistematizar uma nova forma de gestão que permita às empresas obter aumentos de produtividade compatíveis com os observados pelo trabalhador manual no século XX.
Para tanto, será preciso desenvolver ajustes organizacionais, programas de capacitação, métodos, técnicas e ferramentas apropriados. Espera-se que com o avanço da economia do conhecimento, as organizações privadas e os governos que mais cedo perceberem e praticarem essas mudanças torne-se referências a serem progressivamente absorvidas pelos demais, sob pena de que estes entrem em processo continuado de perda de mercado, no caso das empresas privadas, ou de esvaziamento na capacidade de atender as necessidades do cidadão, no caso dos governos.
José Carlos aponta que Peter Drucker foi o primeiro profissional a debruçar-se sobre a sociedade do conhecimento e Michael Polanyi foi quem estabeleceu a clássica divisão do conhecimento em tácito (complexo) e explícito (fácil articulação e pode ser expresso em documentos textuais).
A partir da divisão proposta por Polanyi, os professores Ikujiro Nonaka e Hirotaka Takeuchi desenvolveram um modelo dinâmico de criação do conhecimento, baseado na experiência das organizações japonesas, segundo o qual o conhecimento é gerado e expandido pela contínua interação social entre seus componentes tácito e explícito. Esta interação ocorre em quatro etapas: socialização, externalização, combinação e internalização.
O legado da Era Industrial
Outro nome citado pelo autor para o entendimento do desafio da criação de conhecimento nas organizações é Peter Senge que ressalta que o herdamos da era industrial um legado muito caro, a perda da conexão das peças com o todo que se pretende atacar. Nos problemas de alta complexidade ao perdermos a visão sistêmica, tendemos a carrear muitos recursos para realizar tarefas que retardam ou até mesmo inviabilizam a solução efetiva das questões, além de amesquinhar a qualidade do trabalho. Para Senge a empresa moderna que quiser sobreviver deve trocar a busca de pseudo certezas pela aprendizagem organizacional nas quais os indivíduos melhoram continuamente suas competências de criar o futuro. Para chegar a esse estágio, as organizações devem exercer cinco disciplinas, ou seja programas permanentes de estudo e prática que levam ao aprendizado organizacional:
1. Domínio ou maestria pessoal;
2. Modelos Mentais;
3. Visão Compartilhada;
4. Aprendizado em Equipe;
5. Pensamento sistêmico.
Diferentes conceitos existentes de inovação
Inovações radicais ou disruptivas: abrange iniciativas que alteram a estrutura do mercado, criam novos mercados ou, ainda, podem levar produtos – bens ou serviços – já existentes à obsolescência.
Inovações incrementais: iniciativas de cunho cumulativo, impulsionadas pelo mercado. A televisão, do tubo ao led, exemplifica uma inovação abrangida por este conjunto.
Para o autor não há atividade econômica que escape à chegada da inovação. No que diz respeito ao setor público, o que se pode prognosticar é que em todos os níveis o insumo conhecimento subirá mais um degrau, passando de necessário a fundamental. José Carlos indica algumas trilhas para as organizações que desejam inovar seguirem:
1. Colocação do Ser Humano no centro do universo
2. Criação de ambiente capacitante adequado
3. Uso de novos métodos e técnicas gerenciais
4. Montagem de layout inclusivo
5. Diminuição de níveis hierárquicos
6. Utilização inovadora das facilidades tecnológicas
Conclusão
O autor conclui o capítulo afirmando que a adoção desses passos caminha no sentido de dar vida ao conceito do Bá14 (Conceito apresentado no artigo “The Concept of ba: building a foundation for knowledge creation”, espaço que se propõe a combinar e articular as dimensões físicas, virtuais e mentais de uma organização, tendo como objetivo consolidar relações emergentes e fomentar a criação e o compartilhamento do conhecimento nos planos explícito e tácito.
Entrevista José Carlos ‘Pepe’
Inovação Organizacional do Setor Público
José Antônio Carlos, o professor Pepe: Economista formado e pós graduado pela Faculdade de Economia e Administração da USP – Universidade de São Paulo. Participa da Equipe Gestora da Rede Paulista de Inovação em Governo, ambiente colaborativo para promoção do serviço público. Coordenador da disciplina “Gestão do Conhecimento e Inovação” integrante do Programa de Desenvolvimento Gerencial do Governo de São Paulo, operado pela Fundap – Fundação do Desenvolvimento Administrativo. Participa como professor convidado da disciplina “Gestão da Cultura e Mudança Organizacional”, do MBA – Excelência Gerencial do Metrô, promovido pela FIA – Fundação Instituto de Administração da USP. Curador e produtor de conteúdo para diversos blogs e publicações em ambiente web.
Gabriela Tamura: Qual a experiência mais inovadora no setor público que o Senhor participou?
José Carlos: Nos últimos 20 anos tenho tido a felicidade de integrar a equipe liderada por Roberto Agune, uma referência nacional em modernização e inovação em governo. Isto tem me permitido participar de inúmeras ações, de maior ou menor fôlego, que buscam a melhoria contínua do serviço público.
Como você me pede para identificar uma delas, aponto o projeto “Relógio da Economia”, instrumento por mim concebido, a partir de uma encomenda do Roberto para criar uma métrica, fácil de entender, que aferisse os ganhos, muitas vezes ocultos, resultantes da implementação de inovações processuais, administrativas ou tecnológicas no modo de prestar serviços públicos. A diferença entre os custos de um serviço, antes e depois da inovação, é o “motorzinho” que movimenta este relógio, e que aponta quanto o Estado economiza graças à utilização dos novos processos.O que me deixou particularmente feliz, neste projeto, foi a indicação do mesmo pelo Banco Mundial como exemplo de excelência em prática de gestão.
Gabriela Tamura: Faz muito sentido identificar que a nova geração está passando por uma mudança de era visto que muitos estão perdidos sem saber como viabilizar sonhos que parecem inatingíveis principalmente no trabalho onde não querem mais ficar 8 horas trancados numa sala prestando um serviço que não acreditam. Como essa nova geração pode e deve proceder nos próximos anos para não serem tidos como vítimas dessa mudança de era? Como trazê-los para o serviço público?
José Carlos: Na verdade, Gabriela, a mudança de era pela qual estamos passando atinge todas as gerações, não apenas os mais jovens. Momentos de mudanças tão profundas e aceleradas que comprometem paradigmas e modelos de negócio até há pouco tidos como infalíveis provocam uma desordem da qual ninguém escapa. A nova geração, no entanto, já tem conseguido por em prática uma considerável parte de seus sonhos de mudança no modo de viver e trabalhar, que se expressa,no primeiro caso, pela explosão das redes sociais e, no segundo, pelo impressionante crescimento no número de startups em todo o mundo.Quanto a atraí-los diretamente para o governo, isto dependerá da velocidade do setor público de compreender e responder a esse quadro de mudanças. Por outro lado, o crescimento do empreendedorismo social mostra uma nova forma de colaborar com o governo, sem necessariamente fazer parte dele.
Gabriela Tamura: O que o Senhor diria aos servidores públicos que querem fomentar a cultura inovadora na instituição?
José Carlos: Até a alguns anos atrás, a tecnologia da informação era coisa muito cara e orientada para especialistas. Era um luxo para bem poucos. Nos últimos 20 anos, este quadro mudou radicalmente. Os microcomputadores, notebooks, tablets, smartphones se popularizaram. A Internet, em menos de 20 anos, já atinge cerca de três bilhões de usuários, muitos dos quais aproveitaram esse canal para tornarem-se importantes produtores de conteúdo nos mais variados meios:textos,vídeos, gráficos, desenhos, música, entre outros.
Menciono isto, para dizer que, como em nenhuma época anterior, os colaboradores, independente de sua posição hierárquica, têm, hoje, mais condições de acesso a informação e à programas gratuitos de capacitação. O primeiro passo para quem quer inovar, nesse contexto, seria construir uma base local de conhecimento, colocando em um blog, ou instrumento semelhante, o maior número possível de informações necessárias para a realização do trabalho de uma determinada equipe. Este ambiente deverá envolver todos os colaboradores usando, para tal, técnicas gerenciais modernas que estimulem a co-criação e a criatividade. Devemos ter em mente que a inovação será sempre a soma de iniciativas de pequenos times unidos em torno de uma visão comum, que, no caso dos governos, devem resultar em políticas públicas inovadoras e/ou na entrega de serviços de alta qualidade.
Se ainda assim você não estiver feliz, resta a alternativa do empreendedorismo social que mencionei na questão anterior.
Por fim, seja qual for o cenário, evite o chororô. Além de fazer mal para a saúde, ele impossibilita enxergar oportunidades de crescimento pessoal e profissional.