Entrevista com Alvaro Gregorio

André Tamura
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Mestre Alvaro Gregorio está há 40 anos inovando o setor público.

Sua experiência na criação do Poupatempo na década de 1990, na criação e operação do primeiro laboratório de governo em São Paulo nos anos 2000, e na criação do primeiro laboratório de inovação do Judiciário em 2015 — entre muitas outras iniciativas de melhoria dos serviços públicos — faz com que Alvaro Gregorio tenha construído um legado de valiosas reflexões para quem deseja transformar o setor público brasileiro. Sempre atento às novidades, sem abrir mão da experiência acumulada em quatro décadas de atuação no setor, ele compartilha nesta breve entrevista algumas percepções sobre as lacunas da inovação e nos dá pistas de como superar os obstáculos para, de fato, transformar a vida dos brasileiros.

Vale lembrar que Alvaro Gregorio apoiou e influenciou a criação da WeGov, e hoje faz parte do nosso time. Confira a entrevista.


1. O que é inovação no setor público? Porque as pessoas confundem este conceito com novas tecnologias?

A inovação no setor público se diferencia primeiramente pelo seu foco, uma vez que em governo a inovação deve gerar valor coletivo, como a melhoria de serviços, redução de gastos públicos, o aumento da eficiência e do bem estar social. Já no setor privado, o foco central é a vantagem competitiva, o lucro, o retorno financeiro para garantir o crescimento sustentável e ampliar mercados. Embora os focos sejam diferentes, ambos setores podem trabalhar juntos para a inovação, por meio de parcerias em que ao mesmo tempo entreguem valor social e crescimento empresarial.

A tecnologia é um dos impulsionadores da inovação, mas não o único. Por vezes vemos a inovação sendo impulsionada por um novo modelo de negócios ou novos processos, por exemplo. Em governo é muito comum vermos iniciativas inovadoras em simplificação de processos, desburocratização e eliminação de exigências em que o emprego da tecnologia é secundário ou inexistente. Se pensarmos em inovação organizacional, no setor público há um amplo espaço para inovar, com grande impacto social e na gestão.

2. Há dez anos, você e seus colegas do iGovSP criaram o primeiro laboratório de inovação de governo do Brasil. Hoje, ainda estamos imaturos neste contexto. Qual a sua visão em relação aos desafios que as instituições enfrentam para inovar?

Há evidências de que muitas entidades públicas não estavam preparadas quando criaram seus próprios laboratórios. Um laboratório é um espaço significativo voltado para a capacitação, prática, prototipagem e incubação de projetos inovadores, e isso é o suficiente para os Labs; porém não se sustenta sem uma unidade organizacional que implante um sistema de Gestão de Inovação corporativa, alinhado e pertencente a estratégia da corporação. 

Essa imaturidade que você percebeu é a falta de gestão da inovação.

Nesse sentido, o maior desafio que o setor público tem atualmente é na formação de lideranças de inovação. Os laboratórios serviram bem à cultura de inovação e ao engajamento operacional nessa última década, mas a inovação em muitas instituições ainda não está na pauta estratégica ou, se está, guia-se por eventos casuais ou de oportunidade e não algo sistêmico. 

É raro encontrar uma liderança com conhecimento científico de inovação, capaz de apresentar um sistema organizado que busque soluções inovadoras, que compreenda não apenas a cultura e a capacitação em inovação, mas tenha mecanismos de prospecção interna, junto aos departamentos da instituição, prospecção externa, junto a universidades e empresas, bem como na prospecção de cenários futuros, onde a sociedade, a tecnologia e os novos problemas irão emergir. 

A falta de gestão e uma governança madura está fazendo com que muitos laboratórios sejam cobrados por algo que não foram preparados para identificar, planejar e agir. A maioria ainda desconhece o que desconhece, e isso fragiliza a sua identidade e permanência, pela ausência de visão estratégica do que compreende a inovação e como ela deve influenciar a gestão corporativa.

Essa visão deve ser apresentada e incluída no planejamento estratégico da instituição para que recursos, tanto financeiros, quanto para projetos e os de capacitação, sejam considerados em seus orçamentos e realizações. Para tanto, não apenas um líder de inovação, responsável por esse plano, mas o tema de inovação ser compreendido e assumido pelas lideranças das diversas áreas corporativas é imprescindível.

Alvaro Gregorio e Gabriela Tamura, no iGovSP (2013)

3. Alvaro, por que tantas instituições públicas ainda veem a área de inovação e os labs como um “balcão de pedidos” e não como uma estratégia transversal de transformação institucional?

Diferente de áreas já existentes há décadas nas estruturas organizacionais, como RH, financeiro, contábil e outras tradicionais nos organogramas, em que todos já sabem o que são e como funcionam, uma área de inovação é algo novo em que as referências presentes na cultura organizacional vê com névoas de incerteza ou falsa confiança em suas atribuições e formas de funcionamento, por isso recorrem a ela em situações de novidade, não necessariamente de inovação. Isso tende a compor uma pauta superficial e errática do porquê um laboratório foi criado.

Como comentei anteriormente, entendo que isso pode ser resolvido por uma política interna de inovação e suas estruturas decorrentes, com a determinação de uma unidade organizacional responsável, com características inequívocas do que pretende e de como trabalha, com a indicação de metas e planos de ação. 

E claro, uma ampla comunicação em nível institucional.

4. Na sua experiência, o que impede as lideranças de assumirem seu papel como guias da inovação — falta de clareza, apoio institucional ou competências específicas?

A inovação não pertence à área de inovação, ela é integrante de todas as unidades organizacionais de uma instituição e, se pudermos ampliar filosoficamente, é parte da natureza de cada pessoa.

Portanto um diretor de finanças, ou líder de qualquer outra área, que ignore a inovação, dando de ombros e evitando integrar esse quesito como parte de suas atribuições, cumprirá mal o seu papel. Qualquer liderança deve, com urgência, conhecer e defender os princípios e práticas da inovação, integrando e guiando as pessoas sob seu comando para obter resultados melhores.

É uma nova competência que deve ser assumida por todos os líderes.

Para que isso aconteça o apoio institucional deve ser explícito, o que demanda a capacitação de dirigentes e da alta direção para que a inovação possa tracionar com mais vigor e curso acertado.

Alvaro Gregorio e André Tamura, na 1º Semana de Inovação da Enap (2015)

5. Quais riscos correm as instituições que tratam a inovação como algo isolado, ou dependente apenas de laboratórios, e não como uma competência institucional compartilhada?

A inovação isolada é desperdício e, na missão de qualquer instituição, desperdícios devem ser eliminados. Chocante, mas lógico, então o risco de um supérfluo programa de inovação deixa de existir, mas emerge um risco muito maior para a instituição: o risco de não inovar.

Uma organização que não inova, mesmo considerando que por ser uma instituição pública sejam mínimas as possibilidades de extinção, entrará em descompasso com a sociedade que espera melhores entregas e, internamente, começa a perder e não atrair mais talentos por sua desanimadora condição de monotonia burocrática e não afinada com os desejos de autodesenvolvimento de seus colaboradores.

Quando você fala do isolamento e centralização da inovação, sei que não é incomum e com certeza pouco saudável, por ser contrário aquilo que é sistêmico, que funcione num conjunto de partes e que opera em redes, ou seja, carece de um sistema que se integre aos demais sistemas da organização.

Vou tentar colocar rapidamente alguns passos para evitarmos isso.

Primeiro se estabelece uma política de inovação, criando ou indicando uma área responsável pelo conjunto de atribuições pertinentes ao assunto, incluindo fazer funcionar o laboratório. Note que o core dessa unidade não é “fazer inovação” mas sim criar condições para que as pessoas da instituição possam inovar.

Para tanto, a nova área deve implantar um Sistema de Gestão da Inovação e adotar um framework, ou quadro de trabalho, que guie suas atividades. Eu tenho adotado um framework que compreende cinco dimensões: Cultura, Capacitação, Prospecção, Projetos e Parcerias, e Governança. Essas dimensões compreendem subconjuntos de ações que preparam um plano de ação de inovação corporativa, naturalmente alinhado com a estratégia da instituição.

Ao fazer rodar seu primeiro Plano de Ação, a nova unidade irá aprender onde e como intensificar sua relação com os sistemas da instituição e como conectar esses desafios institucionais ao ecossistema de inovação. É um ciclo virtuoso que se inicia.

6. Você acredita que a ausência de políticas institucionais de inovação está diretamente relacionada à baixa maturidade das organizações públicas nesse tema? Como um curso pode ajudar a mudar esse cenário?

As políticas de inovação que tenho conhecimento são em grande parte cópias umas das outras que, como políticas devem ser, estabelecem princípios gerais, conceitos, considerandos e as intenções de fazer o bem. Isso é ótimo, melhor do que não ter nenhuma, mas não é o suficiente. 

Da política devem emergir ações que consolidem essas intenções, que criem as estruturas normativa (como regulamentos, atribuições e funções), organizacional (como presença no organograma, equipe e responsabilidades), física (como laboratórios e materiais) e integrativa ( como se conectará com outras áreas e atuará em modelos matriciais), que podem ser implementadas gradualmente, mas que sejam suficientes para a operação.

O curso de gestão de inovação vai apresentar, de forma estruturada e com base científica, tudo que conversamos aqui e também o que ainda não falamos, como a legislação pró inovação, a ISO56000, contratações públicas de inovação e outros tópicos importantes na criação e operação de um Sistema de Gestão de Inovação.

Precisamos discutir e construir modelos adequados ao setor público, independente do grau de maturidade da instituição. O objetivo de uma capacitação é tornar a pessoa capaz de refletir, projetar e implementar. É isso que, em minha opinião, pode ajudar na mudança e avanço no cenário de inovação pública.


Por André Tamura

Pai e Marido. Fundador e Diretor Executivo da WeGov. Empreendedor entusiasta da inovação no setor público e das transformações sociais. Estudou Administração de Empresas e Ciências Econômicas. Desde que trabalhou como operário de fábrica no Japão, tem evitado as “linhas de produção”, de produtos, de serviços e de pessoas. Em 2017, foi condecorado com a Medalha do Pacificador do Exército Brasileiro.

One thought on “Entrevista com Alvaro Gregorio

  1. Excelente entrevista, reflexões valiosas para quem atua no setor público.
    Prof. Alvaro traduz com muita clareza que a inovação é uma competência transversal que exige governança, método e liderança qualificada.

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