A falácia do custo irrecuperável

André Tamura
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"Ah mas nós já investimos tanto..."

O restaurante era o mais conceituado do Sul da Ilha, dirigimos alguns quilômetros até o local. Chegando lá a fila de espera estava de quase 2 horas. Depois de 30 minutos eu disse à minha esposa: “Vamos embora.” Ela respondeu: “De jeito nenhum dirigimos até aqui e esperamos até agora.”
Tentei explicar que ela caiu na armadilha da falácia do custo irrecuperável. Ela respondeu meio a contragosto: “Você e suas teorias malucas.”

Projetos ruins e sem fim

Participo de inúmeras reuniões de negócios. Alguns projetos nunca cumprem as metas. Perco as contas de quantas decisões são pautadas com a mesma desculpa: “Já investimos tanto tempo / dinheiro nesse projeto que se o interrompermos agora, tudo terá sido em vão.” Projetos, campanhas de marketing, busca por novos clientes, ideias de negócios etc. Todos são vítimas da falácia do custo irrecuperável.

Mas afinal? O que é a falácia de custo irrecuperável?

Toda decisão ocorre em meio a insegurança. Aquilo que imaginamos pode dar certo ou não. É possível deixar a qualquer momento o caminho tomado, por exemplo, interrompendo um projeto e arcando com as consequências. Essa ponderação em meio a insegurança é um comportamento racional.

A falácia de custo irrecuperável nos abocanha quando já investimos, sobretudo, muito tempo, dinheiro, energia, amor etc. O dinheiro investido torna-se uma justificativa para continuar, mesmo quando, do ponto de vista objetivo, não faz sentido nenhum. Quanto maior o investimento, ou seja, quanto maiores forem os “custos irrecuperáveis”, tanto mais forte será a pressão para continuar o projeto. É como se um investidor da bolsa quisesse manter sempre em seu portfólio a ação que mais perdas acumular.

Por que temos esse comportamento irracional? Simples, as pessoas se esforçam para parecer consistentes. Com consistência sinalizamos credibilidade. Para nós, as contradições são socialmente péssimas. É quase um crime mudar de ideia ou posicionamento. Quando decidimos interromper um projeto na metade, geramos uma contradição: reconhecemos que antes pensávamos de maneira diferente da que pensamos hoje. Levar um projeto absurdo adiante protela esse doloroso reconhecimento. Assim, parecemos consistentes por mais tempo.

O efeito Concorde

custo-irrecuperavel

O Concorde foi o exemplo paradigmático de um projeto estatal deficitário. Mesmo tendo reconhecido antecipadamente que a empresa do avião supersônico nunca seria lucrativa, ambos os parceiros, França e Inglaterra, continuaram a investir altas somas – simplesmente para manter as aparências. Desistir seria ao mesmo que ceder. Por isso a falácia de custo irrecuperável é também conhecida como efeito Concorde.

Grandes projetos governamentais sofrem dessa ilusão. É como deixar um defunto ligado em equipamentos médicos.

“Agora que já fomos tão longe…”; “Agora que já estou há dois anos trabalhando nesse projeto…”. Com base nessas frases, você percebe que a falácia de custo irrecuperável já mostrou os dentes em alguma parte do seu cérebro.
Existem muitas boas razões para continuar a investir e dar fim a alguma coisa. Mas existe uma razão ruim: levar em conta o que já foi investido. Decidir racionalmente significa ignorar os custos acumulados. Pouco importa o que você já investiu; a única coisa que conta é o agora e sua estimativa do futuro.
“Desistir de gastar, não é desistir sonhar.”


Fotos: Stefan Becker

Por André Tamura

Pai e Marido. Fundador e Diretor Executivo da WeGov. Empreendedor entusiasta da inovação no setor público e das transformações sociais. Estudou Administração de Empresas e Ciências Econômicas. Desde que trabalhou como operário de fábrica no Japão, tem evitado as “linhas de produção”, de produtos, de serviços e de pessoas. Em 2017, foi condecorado com a Medalha do Pacificador do Exército Brasileiro.

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