Os 5 princípios de uma boa narrativa

Olavo Pereira Oliveira
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Empatia, Conflitos, Virada, Transformação e Verdade

Após 35 anos amando cinema e 10 anos ajudando pessoas e empresas a contarem sua histórias como se fossem narrativas cinematográficas, sintetizei o que acredito que são os 5 princípios fundamentais de qualquer narrativa, independente do formato e da duração.
Na minha visão, o que diferencia o comercial de 30 segundos ou o filme de 2 horas é a profundidade com a qual você explora cada princípio.
Nas palestras e cursos que leciono, uso como exemplo um filme que amo, “Beleza Americana”, para ilustrar esses princípios e permitir que as pessoas façam a conexão com suas histórias pessoais e profissionais.

1. Empatia

A conexão com o público

O público começa a se conectar com a história ao ser apresentado a um protagonista empático, o que significa que ele apresenta valores e atitudes que o público identifica como sendo verdadeiros e compreensíveis do seu ponto de vista. Ou seja, vê que é possível estar no lugar desse protagonista.

Em “Beleza Americana” o protagonista Lester nos apresenta seu bairro, sua rua, sua casa, sua família, enfim, sua vida suburbana em uma manhã qualquer. Em sua segunda frase ele nos revela que estará morto em menos de um ano. Mas que, de certa forma, já está morto.
A sequência magistral do início é uma aula de como criar empatia com uma personagem. Nos arrebata, nos surpreende, nos provoca. Quem já não se sentiu morrendo em vida? Esse sentimento universal e outros que os eventos a seguir nos despertam, vai começando a tecer uma trama que nos conecta à história.

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Já sabemos até que ele vai morrer no final do filme. Mas isso já não importa. Queremos saber o que aconteceu com ele em sua jornada rumo a um destino comum a todos.

2. Conflito

O coração da narrativa

É o que vai ajudar a reforçar a empatia, pois os conflitos surgem a partir de situações em que o protagonista se coloca e que vão revelar: 1) traços verdadeiros de sua personalidade; 2) quais os seus desejos e o que ele precisa para alcançá-los; 3) que forças antagônicas estão atuando para afastá-lo desses desejos.
No caso de Lester, nos foram apresentados nos primeiros 15 minutos do filme uma série de situações em que o conhecemos como um homem conformado com sua condição de subjugado ao estilo de vida do americano médio. Ele aceita passivamente o emprego que no fundo odeia, o desprezo da mãe e da filha e o ápice de satisfação com sua sessão diária de auto-prazer.

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Até agora, portanto, não temos nenhum grande conflito, que só aparece a partir do momento em que ele se encanta com Angela, a amiga da filha em uma apresentação das animadoras de torcida no intervalo de um jogo de basquete, ao qual ele inicialmente vai a contragosto. Esse é o evento que no cinema chama-se incidente incitante, pois é a motivação para o principal conflito do filme: Lester buscando sair de sua condição passiva, ou de “morto”, para alguém que assume a direção de sua vida e começa a “renascer”.
Portanto, Lester, a partir desse evento: 1) revela uma dimensão a mais de sua personalidade, ganhando complexidade e, logo, mais empatia; 2) passa a ter um desejo consciente dentro da história: dormir com Angela; 3) passa a ter como forças antagônicas em seu caminho tudo aquilo com o qual ele tinha se acostumado até agora: família, emprego e toda a sua condição suburbana, o que envolve a relação com os vizinhos.

3. Viradas

A energia que move a narrativa para a frente

A partir de um conflito principal, outros vão se colocando no caminho do protagonista que, se por um lado toma uma atitude acreditando que vai levá-lo mais próximo de conseguir o que quer, por outro lado, essa mesma atitude pode afastá-lo daquilo que ele quer. Boa parte da narrativa se move entre essas brechas entre o que ele acredita que vai acontecer e o que acontece de fato. Ao mesmo tempo em que ele fecha uma brecha, pode acabar abrindo outra. Quanto mais brechas se abrem, mais a narrativa se enriquece e faz público se conectar ainda mais com a história.
Lester empreendeu uma série de mudanças na sua vida que ocasionaram viradas dentro da narrativa. Em uma visão superficial, foi tudo motivado por tornar-se atraente para Angela. Uma dessas mudanças foi a saída do emprego, outra cena magistral do filme, em que uma veia humorística, irônica, ácida do personagem, nos é revelada.
Veja a diferença entre a postura de Lester no dia em que é comunicado que precisa escrever uma descrição de suas atividades para salvar seu emprego e sua postura no dia em que ele se utiliza dessa prerrogativa para largar de vez o emprego que detesta.
A atitude de Lester aparentemente o move em direção ao seu desejo. No entanto, abrem-se aí brechas que também podem afastá-lo do seu desejo, uma vez que ele deteriora ainda mais sua relação com a família e, com o novo estilo de vida que passa a adotar, começa a abrir caminho para percepções de outros personagens que vão ser determinantes para o fim trágico que ele terá.

4. Transformação

A recompensa para quem acompanhou até o fim

A história será mais verdadeira quanto maior for a transformação pela qual passou o protagonista. Isso se dará, principalmente, se ao final, mais do que conseguir aquilo que ele conscientemente desejava, ele conseguir algo que no início nem imaginava ser possível. O público se envolverá ainda mais, pois se surpreenderá com a mensagem trazida pela narrativa.
Lester consegue chegar bem próximo ao seu desejo de dormir com Angela. E justamente aí se dá conta de que não é isso que ele verdadeiramente deseja. Quando a menina, que passou a história toda vestindo uma máscara de garota autoconfiante, sedutora e experiente, revela-se como é, uma adolescente com suas inseguranças e, àquela altura, virgem, o protagonista também nos revela o que verdadeiramente buscava o tempo todo: recuperar sua autoestima, ser feliz.
Esse era o tempo todo o seu desejo inconsciente. E que, de certa forma, é o desejo de todos nós. Essa é a verdadeira beleza que descobrimos junto com Lester nessa cena.

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5. Verdade

Quando a experiência ganha significado

É o princípio que rege todos os outros e que a empatia, o conflito, as viradas e a transformação, no fim das contas, devem ajudar a construir: uma experiência significativa para o público e conectada a valores humanos fundamentais e universais.
Justo no momento em que está mais vivo do que nunca, Lester é morto. Quanta ironia. A mesma narração em primeira pessoa do início do filme retorna para nos falar, de forma poética, sobre o real significado dessa história. Afinal, esse filme não é sobre um cinquentão em crise que se apaixona pela melhor amiga da filha. Esse filme é sobre a beleza da vida, que se encontra nas coisas mais simples, como um saco vazio flutuando no ar.
Essa beleza está além das máscaras que criamos: do status, das posses, do sucesso, do dinheiro, da estabilidade, de algumas das coisas que estão no alicerce do tal “sonho americano”, tema que o o roteirista Allan Ball debate conosco nessa história. “Look closer” é o slogan do filme e ele expressa justamente isso: é preciso olhar as coisas com atenção, de perto, para enxergamos como elas realmente são.

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Originalmente publicado no blog da Narrative

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