Não, não é só zoeira.
O filósofo francês Pierre Lévy diz em seu livro Cibercultura que a tecnologia não é boa, nem má, muito menos neutra, mas a nós nos cabe entender o quanto seu uso na sociedade é irreversível.
Estar nas redes sociais hoje é sem dúvida um caminho sem volta, mas na administração pública até pouco tempo nem se pensava no assunto. E é dessa forma que o case da Prefeitura de Curitiba se tornou paradigmático, a experiência da cidade mostrou que é necessário e mandatório se enveredar por estas veredas. Mas por quê? E como?
Introdução
Meu nome é Janaína Santos, vinda de agências digitais, já trabalhei com diversas marcas como: Magazine Luiza, Tecnisa, HSBC, Vale Fértil, Condor, RPC TV. Nunca tive uma experiência junto a gestão pública, mas quando o case começou a chamar atenção pelo uso do humor e pelo relacionamento 2.0, começamos a discutí-lo dentro das empresas e minha curiosidade foi acompanhar justamente como a comunicação poderia ajudar na prestação de um serviço para as pessoas.
Percebi que poderia entender lições importantes deste case. Para conclusão da pós-graduação em Avaliação e Produção de Conteúdos para Mídias Digitais da Universidade Positivo, analisei 250 publicações do Facebook da Prefeitura de Curitiba, a prefs, o mês era agosto deste ano.
O objetivo foi analisar como se dava a comunicação da página, sua pauta de comunicação e obter insights importantes a partir daí.
Informação ou Interação? O que manda é o equilíbrio!
Para entender a pauta de comunicação da Prefeitura de Curitiba, na minha análise, categorizei os posts em “Informação” e “Interação”. A divisão tinha objetivo de entender quais posts tinham objetivo principal de informar, com dados, links, estatísticas, canais de atendimentos e aqueles que tinham o objetivo de gerar uma conversa no Facebook. Para entender a divisão, o exemplo abaixo deixa mais claro.
De um lado a postagem informando sobre a vacinação contra Hepatite A. A imagem é divertida e simpática, mas no texto do post há informações sobre como participar, o que fazer, por que é importante. No post da direita, um post falando que você pode ser um “cidadão virtual” de Curitiba. Uma postagem simpática, gerando conversa entre pessoas que moram distante da cidade mas interagem com a página. Dentro da postagem, algumas regrinhas que falando de temas importante de conscientização, como o problema das aranhas-marrom.
Está presente, mas não há links, informações, dados, há informação, mas é secundária, o propósito é a conversa. E dentro da pauta de conteúdo, como fica a divisão entre conteúdos de “informação” e de “interação”. Surpreendentemente, há mais publicações na categoria de informação, do que interação.
São 53% de publicações de informação, contra 47% de interação. Percebe-se a importância do equilíbrio na pauta de comunicação, ressaltando sempre a relevância.
Na análise de Regina Marteleto e Antonio Silva, a troca de informação pode ser um importante fator para criação de redes sociais engajadas pelo desenvolvimento social e bem-estar comum em comunidades. Entendendo os sites de redes sociais como facilitadores deste processo, vemos que a troca de informações pode ser um importante gerador de capital social engajado no desenvolvimento comum. É possível ver o engajamento da comunidade criada pela Prefeitura de Curitiba ao ver a participação através dos sites de redes sociais de projetos como a LOA.
Não existe relacionamento sem resposta
A palavra engajamento surgiu no dicionário de negócios vindo do termo em inglês ‘engagement’, que significa um relacionamento sério, um noivado. E para ter um relacionamento de verdade, é preciso conversar, ter DRs, falar de tudo.
Não existem exatamente dados oficiais sobre o tamanho do atendimento da Prefeitura de Curitiba. Procurei uma ferramenta que pudesse auxiliar e cheguei ao seguinte dado:
Cerca de 30% das pessoas que fazem qualquer pergunta com um ponto de “?” na página da Prefeitura de Curitiba, são respondidas de alguma forma, segundo a ferramenta do Social Bakers. O índice não considera as perguntas feitas na inbox, que segundo a equipe, é a principal fonte de atendimentos.
Contudo, é importante notar que há sim uma grande parcela de pessoas atendidas pela página. Talvez seja preciso entender melhor qual é realmente o tamanho e a efetividade das respostas, mas este é um primeiro passo.
Adequar a linguagem ao meme, ou melhor dizendo, ao meio. Por inércia, a tendência da comunicação pública é o formalismo, mas a comunicação em meios digitais tem por preceito justamente o oposto. Como sobreviver?
Analisando a linguagem utilizada na página da Prefeitura de Curitiba no Facebook, considerei 4 categorias de tendência de linguagem:
1. Cômica, quando possuía linguagem coloquial, com memes, piadas, linguagem de web, com efeito de provocar humor;
2. Interativa, quando, apesar do coloquialismo, o efeito não era o humor e sim uma conversar, como por exemplo “Boa noite, Curitiba”;
3. Informativa, quando o tom era de um comunicado, sem humor, com seriedade e;
4. Audiovisual, quando utilizava fotos e vídeos para passar a mensagem.
Na análise da linguagem, prevalece a informativa e cómica. Contudo, percebe-se nas outras linguagem o espaço para teste e experimentação. Embora haja um senso comum de que a página trate apenas de postagens descoladas e divertidas, há um espaço para seriedade. Deve haver sensibilidade para entender qual é o momento certo e a linguagem certa para cada conteúdo. Memes são hoje a forma que as pessoas utilizam para traduzir o mundo ao seu redor.
Há memes sobre tudo. Ao se aproveitar da linguagem do meio, utilizar memes e criar os seus, a Prefeitura de Curitiba busca aproximação com o público da página, que são jovens de 18 a 34 anos e podem replicar as mensagens postadas.
Acertos e erros? Experimentar sempre e conversar muito!
O experimento de Curitiba nas redes sociais é recente, mal completou 2 anos, mas já colhe frutos como redução nas ligações do 156, participações em projetos como a LOA, participação da população e empresas em projetos sociais. Por outro lado também críticas, excesso de informalidade parece ainda deixar algumas pessoas desgostosas e código de conduta supostamente inapropriado também rende críticas.
Mas a experiência é positiva principalmente pela abertura à fórceps para o diálogo que provocou tanto localmente, como nacionalmente. Como estudado por Steven Clift, as tecnologias de informação e comunicação podem ajudar a construir a confiança, permitindo o envolvimento dos cidadãos no processo político, promovendo governo aberto e responsável e ajudando a prevenir a corrupção. Resta saber ainda qual será o papel futuro dessa abertura de diálogo nos anos que estão por vir.
Confira no Slideshare a apresentação “Redes Sociais e Relacionamento” por Jana Santos.
Faça o download do artigo completo.
Foto: Bill Machado
Adorei o trabalho de vocês no Intercom. Parabéns! Estou usando ele como referência para o meu TCC, inclusive citei a categoria caráter, e seus criadores, para utilizar em minha análise. =)
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