A "ipirangalização" e os serviços públicos

Alvaro Gregorio
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Um lugar que o cidadão pode contar

No início de junho, ouvi um diretor da Petrobras anunciar aquilo que seria a “grande inovação” de sua distribuidora, fruto de semanas em brainstorming interno que visavam aliviar a crise pela qual passa a empresa, vítima de corrupção, chegando a dois pontos miraculosos: 1- abrir uma nova empresa com 30% do capital da atual distribuidora para ser a gestora de 2- novos serviços nos postos da rede que, nas palavras do diretor, seriam lojas de conveniência, farmácias e lanchonetes. Ora, então a grande inovação é chegar ao modelo dos anos 1950!?
Diferente dessa falta de fôlego criativo, outra empresa do mesmo ramo, a Ipiranga, tem ajustado suas velas, embora não navegue no mesmo mar de corrupção, para navegar com mais conceito e propriedade em mares de concorrência, por meio do design de serviços.
A Ipiranga, sempre vista como o primo pobre das distribuidoras, parte da revisão de seu significado para gerar novo valor a seus clientes. A chamada que diz “tem no posto Ipiranga” movimenta um conjunto de ofertas complementares e suplementares de serviços, que vão desde a troca de óleo até conexão wi-fi, passando por aluguel de veículos, prêmios de milhagens, tags para pedágio e ingressos para shows.

Mais do que um lugar que centraliza serviços, a iniciativa vai além ao entregar ao cliente a gestão desse relacionamento pelo site e nos recibos do cartão de crédito. A metáfora não é a de um shopping center, mas a de um “lugar que eu posso contar”e gerir sem grandes complicações. Nisto o design de serviços é fundamental e aqui está a inovação.

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Não basta encher o posto de serviços por consumo e adesão, mas fazer dessa adesão um relacionamento gerenciável, fortalecendo cada ponto de contato, ou touchpoints, que capacitem todas as interfaces entre prestador do serviço e cliente. Assim, frentistas, donos de postos, site na internet, atendimento telefônico e qualquer outra interface, devem estar alinhados em promover uma experiência agradável ao seu cliente, que por vezes é transformadora, como é o caso de tornar o ato de completar o tanque de combustível, algo dolorido para todos, em uma oportunidade de recompensa em milhagens por essa fidelidade à marca e ao posto.
É um erro pensar que os serviços públicos não devam se preocupar com isso por não terem metas de fidelização, nem problemas com concorrência. Na perspectiva do cidadão, é claro que os serviços de governo concorrem com outros, como os serviços bancários, os do shopping, os da companhia de seguros e até os do tráfico, que lamentavelmente aproveitam os vazios dos serviços de segurança, educação e emprego. Todos os serviços utilizados pelo cidadão estabelecem um padrão mínimo de tratamento, usabilidade e acessibilidade.
Mas quero fazer uma reflexão sobre um recorte específico de serviços públicos, aqueles do dia-a-dia, que estão nas Centrais de Atendimento e que, por utilizarem a metáfora vencida de shopping center, não conseguem evoluir em espírito e forma.

Padrões estabelecidos

Os padrões estabelecidos há vinte anos, quando começaram, permanecem quase idênticos aos atuais, mesmo sabendo que nesse período a internet, os serviços eletrônicos, a mobilidade e, principalmente, a integração de serviços tornaram-se essenciais a qualquer cidadão.
Esses mesmos padrões, apesar de inovadores e de impacto positivo à cidadania na época, também não conseguiram contagiar os demais serviços de governo. Assim, não é possível ver esse mesmo tratamento das centrais de atendimento serem adotados nas áreas de saúde, educação, segurança e outros pontos de contato com o cidadão.
Com isso permanece, na ótica do cidadão, a visão de um governo multifacetado e fragmentado, onde existem lugares de excelência e outros de penúria, o governo não é único, nem seus serviços são integrados, quem os integra é o cidadão, por meio de deslocamentos em labirintos de informações. As interfaces são focadas no sistema e não na experiência de uso pelo cidadão, quer em serviços presenciais, quer em serviços eletrônicos.
Penso que os modelos de centrais sejam insuficientes para uma sociedade que vive em rede distribuída. Exemplifico, por que devo me deslocar até uma central de atendimento do governo para emitir a carteira de identidade de meu filho, se ele estuda em uma escola do mesmo governo e que já tem lá todos os registros? A rede de postos seria maior, não é mesmo ? Isso já não é feito no caso de vacinas em escolas?
É certo que para tanto ainda seriam necessários vários passos, como um big data do cidadão, o redesign e fortalecimento de touchpoints, a derrubada de restrições anacrônicas, o investimento em capacitação das interfaces e, acima de tudo, a empatia com o cidadão. Coisas que levam tempo e empenho, mas que são inadiáveis.
Isso é apenas um exemplo da mudança do modelo que temos a considerar ao buscar governo único para um cidadão único.

A “ipirangalização”de postos de serviços públicos é uma nova metáfora, é oferecer ao cidadão um lugar que ele pode contar… e que possa chamar de seu governo.

One thought on “A "ipirangalização" e os serviços públicos

  1. Está sendo difícil unir tudo numa coisa só, muito nó no caminho. Não tive palestra com o Sr. nem o conheci, mas as informações estão sendo passadas corretamente para quem ficou. Só não deixaram claro que onde tinha vido a palavra ipirangalização, agora sei na verdade.

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