Admissão de pessoal no governo

Patrícia Duarte
Posted on

Como funciona em diferentes partes do mundo

Admissão de pessoal no governo

Políticas públicas inovadoras e de qualidade são necessárias para fazer com que o Brasil se desenvolva econômica e socialmente. Para que elas sejam viabilizadas, é necessário termos uma administração pública organizada e engajada. O recrutamento de profissionais competentes e preparados e a gestão de performance desses profissionais podem ser consideradas, portanto, umas das principais alavancas para transformar o serviço público e implementar as transformações necessárias de um país.

No Brasil, a maioria dos funcionários públicos são admitidos via concurso público e contam com estabilidade, ou seja, só podem ser demitidos em casos descritos por lei. Será que em todo lugar acontece igual? A realização de provas escritas é um dos métodos mais utilizados no mundo todo para evitar patronagem, nepotismo e clientelismo na admissão de funcionários públicos. Ou seja, o método é usado para impedir que cargos públicos por razões escusas a pessoas sem habilidade para exercer o cargo. No entanto, muitos países têm procurado processos de recrutamento descentralizados e mais flexíveis, similares ao processo de recrutamento de organizações privadas, – que tem vantagens e desvantagens com relação ao método tradicional de exames escritos [2]. A seguir, tentei preparar um compilado de como funciona esses processos ao redor do mundo.

EUA

Os EUA usavam no passado apenas provas como método de admissão.  No entanto, uma pesquisa foi feita em 1978, onde foi relatado que o serviço público não atraía as melhores pessoas do mercado de trabalho e que havia corrupção no processo de seleção. Desde então métodos seletivos mais flexíveis têm sido utilizados para admissão, promoção e demissão de pessoas no setor público [2].

Hoje, 60% dos cargos utilizam-se de provas escritas de aptidão como principal processo de seleção de candidatos. Em alguns casos, o gestor pode escolher entre os 3 primeiros colocados ou entre todos os candidatos que performam acima de um certo limite no exame.

Em alguns casos são realizadas entrevistas; currículo e histórico acadêmico também são levados em consideração. O processo é centralizado, ou seja, existe um comitê de examinadores nacional que define e executa o processo de seleção em todos os órgãos. Não há estabilidade pública: os funcionários podem ser demitidos como na iniciativa privada [1][2].

Em 2010, presidente Obama lançou uma Reforma de Admissão, argumentando que a complexidade e a ineficiência do processo seletivo do governo federal impediam que profissionais qualificados procurassem a carreira no setor público [2]. Alguns órgãos têm se aproveitado da reforma para usar formas criativas de recrutamento. Dois órgãos nacionais, Veterans Affairs e NGA, têm utilizado as mídias sociais para divulgar vagas, engajar e tirar dúvidas de candidatos. O Departamento de Justiça criou um aplicativo para divulgação e inscrição de vagas. Outro órgão, o GSA, tem utilizado hackathons para recrutar funcionários nas áreas de tecnologia [6]. Algumas instituições têm utilizado os programas de estágios para treinar e preparar futuros empregados [7].

Os Estados Unidos obtiveram o décimo lugar do ranking do International Civil Service  Effectiveness Index (InCiSE), índice que compara quão bem o serviço público de um país performa em relação aos demais [8].

Canadá

As vagas são divulgadas em plataformas digitais do governo e os órgãos individuais são responsáveis pelo processo seletivo, ou seja, o processo é bastante descentralizado. Toda a seleção se dá de forma bastante semelhante ao setor privado: a aplicação é realizada de maneira online, com upload de documentos; após a análise de documentos, há etapas como entrevistas presenciais ou por telefone. Casos de corrupção ou de patronagem explícitos são raros, sendo o cumprimento da lei levado bastante a sério [1][4].

Recentemente o Canadá lançou o programa Canada’s Free Agent, uma plataforma digital para expor currículos e recrutar servidores para projetos específicos dentro do governo, permitindo que os gestores encontrem o servidor público com as características corretas para determinado projeto por um período específico, sem que o funcionário precise abrir mão de qualquer benefício que já tenha acesso. O programa permite flexibilidade para movimentar funcionários entre diferentes órgãos, permitindo ligar o funcionário correto à vaga mais facilmente, proporcionando maior eficiência e bem-estar dos funcionários [5].

Canadá obteve o primeiro lugar do ranking do International Civil Service Effectiveness Index (InCiSE) [8].

Reino Unido

Similar aos EUA [2]. Vale ressaltar que, no passado, o Reino Unido utilizava apenas provas como processo seletivo. No entanto, foi identifica a aprovação de diversos “concurseiros” que estudavam muito para os exames,  mas eram aprovados nas vagas sem terem habilidades. Desde então, métodos mais flexíveis têm sido aplicados na seleção [2].

Recentemente, foram definidos critérios de seleção de candidatos em uma estrutura chamada Perfil Campeão, utilizada em diversos processos seletivos. Esses critérios incluem: habilidade, técnica, comportamento, força, experiência [3].

O Reino Unido obteve o quarto lugar do ranking do International Civil Service Effectiveness Index (InCiSE) [8].

França

As vagas são oferecidas em um site do governo [4]. O processo seletivo geralmente envolve 3 etapas: análise de currículo, exames e entrevistas [1][4]. Os funcionários públicos também contam com a estabilidade pública, e há relatos de morosidade e ineficiências no setor por conta disso. A oferta de vagas tem diminuído pois existe um esforço para aumentar a eficiência e desinchar a máquina pública. Casos de corrupção relacionados a recrutamento de pessoas são raros e punidos com severidade [4].

França obteve o décimo oitavo lugar do ranking do International Civil Service Effectiveness Index (InCiSE) [8].

Holanda

As vagas são oferecidas nas plataformas digitais do governo. As vagas podem ser preenchidas, por candidatos que já são funcionários públicos, externos ou ambos, sendo que no último caso a preferência é sempre para a contratação de um candidato que já é do setor público.

O processo é descentralizado, ou seja, cada departamento é responsável por realizar o processo seletivo de suas vagas, seguindo algumas regras comuns. O processo seletivo se dá de forma muito parecido no setor público e privado, através de exames, análise de currículo e pelo menos uma entrevista. Durante as etapas do processo, a decisão da admissão é realizada em múltiplas instâncias, o que impede que a decisão fique centralizada numa só pessoa, evitando patronagem [5].

Holanda obteve o décimo quarto lugar do ranking do International Civil Service  Effectiveness Index (InCiSE) [8].

Austrália

Na Austrália, o governo tem estruturado a oferta de vagas de forma que sejam tão atrativas quanto a do setor público. Os trabalhadores de todos os setores são regidos pelo mesmo conjunto de leis, sem diferenciação, com pacotes de remuneração igualmente atrativos.

Os gestores públicos contam com pacotes de demissão voluntária e aposentadoria antecipada, o que evita que eles continuem assumindo o cargo apenas por motivos financeiros. Todos eles contam com um mentor de carreira que é um funcionário de alto escalão. Além disso, os gestores podem realizar programas de transferências temporárias para outras áreas dentro do setor público ou no setor privado.

Funcionários públicos aspirantes a altos cargos de gerência no governo contam com alguns programas para auxiliá-los a se preparem para tais cargos. O Sistema Integrado de Liderança é um programa de assessoramento de carreira desde os níveis mais básicos até as mais altas posições. Os funcionários aspirantes a cargos de gestão têm sua carreira acompanhada pelo Centro de Liderança e Aprendizado, um órgão que avalia as principais competências exigidas para altos cargos de gestão.

Como resultado, o governo da Austrália consegue captar talentos bem preparados com backgrounds diversos, do setor público e privado [9].

Nova Zelândia

Na Nova Zelândia, as vagas são postadas em uma plataforma do governo e o candidato é escolhido pelo gestor, como num processo do setor privado. As habilidades e méritos do candidato têm forte influência na decisão pela admissão. O processo é altamente descentralizado, ou seja, a decisão é do governo local [2].

A Nova Zelândia é um país onde reformas na administração pública têm sido bem-sucedidas e obteve o segundo lugar do ranking do International Civil Service Effectiveness Index (InCiSE) [8].

Nicarágua

Na Nicarágua, o processo é bastante parecido com o da Nova Zelândia, ou seja, é descentralizado, não há provas e exames, e o candidato é escolhido pelo gestor, como num processo do setor privado. No entanto, há relatos de que a entrada de funcionários é totalmente não meritocrática, meramente direcionada por politicagens. Isso demonstra que processos de recrutamento podem ou não funcionar de acordo com o ambiente que estão inseridos. Há autores que defendem que em ambiente onde o risco de patronagem é alto, métodos flexíveis de recrutamento podem não ser os mais efetivos [2].

Singapura

Em Singapura, o governo público adotou diversas estratégias para atrair melhores candidatos para o serviço público. Os salários são competitivos e contam com revisões constantes para manter competitividade com o setor privado, além do fato dos funcionários contarem com uma média de 100 horas de treinamento por ano e bolsas de estudo (incluindo no exterior). Há ainda a possibilidade de rotações em diferentes áreas para construção de competências.

Existe um acordo de performance onde são definidas as principais metas, entregáveis, comportamentos esperados e treinamentos a serem realizados. Há revisões intermediárias para avaliar atingimento e realizar correções. Ao final do período há uma avaliação. As promoções são rápidas e baseadas nestas constantes avaliações de performance.

Existe uma comissão com poder de advertir e demitir funcionários com base em regulamentos pré-definidos. Além disso, altos cargos gerenciais são limitados a 10 anos para abrir espaço para novos talentos [9].

Peru

O Peru implementou uma estratégia de criação do Cuerpo de Gerentes Públicos [CGP], grupo de profissionais capacitados, recrutados pelo Servir, uma entidade pública do Peru, para melhorar a seleção e performance de altos cargos no governo. Quando a necessidade é identificada, é aberto um processo de seleção generalista para cargos de gerência no governo. O processo seletivo inclui avaliação de currículo, avaliação presencial técnica e psicológica, entrevistas e dinâmicas por competência, verificação de antecedentes e adequação do profissional à vaga. Em seguida, os profissionais passam por 2 dias de treinamento, para então passar por uma etapa seletiva final de resolução de casos. Os candidatos aprovados ficam disponíveis num banco de talentos disponíveis para alocação e as instituições públicas podem aderir ao programa e captar os profissionais deste banco. As posições são por tempo determinado, com possibilidade de prorrogação a depender de avaliações de performance que ocorrem constantemente. Esta reforma no Peru se deu através de uma agenda compartilhada entre membros do executivo e legislativo [9].

Chile

No Chile o processo de recrutamento de cargos de alta gestão se dá por meio do Sistema de Alta Direção Pública. Neste sistema, as unidades públicas definem os cargos em aberto e as competências exigidas para cada um. Um conselho formado pelo governo, oposição e sociedade civil aprova as competências e libera para empresas privadas especializadas e headhunters captarem candidatos e realizarem as primeiras etapas do processo seletivo, com análise de currículo, avaliação de antecedentes e entrevistas iniciais. O conselho realiza entrevistas finais e monta uma lista com 3 a 5 nomes. Neste processo é levado em conta tanto competências gerenciais como políticas. As unidades públicas têm então direito à livre nomeação entre a lista de candidatos. Desempenho e cumprimento de metas são essenciais para renovação de contratos. A idealização e implementação dessa iniciativa no Chile se deu por esforço do governo oposição, população e think tanks [9].

Conclusões sobre admissão no setor público

Após o levantamento de como essas questões são tratadas em diversos países, traço algumas conclusões. De fato, não existe formato único, os países têm usado estratégias diferentes para enfrentar o desafio de contratar e gerir talentos no setor público. Além disso, a resposta não é simples: ao vermos os casos da Nova Zelândia e Nicarágua, observamos que uma mesma solução pode ou não ter bons resultados a depender do cenário em que o país se encontra, como cultura e risco de patronagem.

No entanto, podemos observar algumas tendências que tem se mostrado bem-sucedidas em diferentes cenários. Primeiramente, uma ampla divulgação com utilização plataformas digitais modernas aumenta a concorrência e torna o processo mais transparente e inclusivo. Além disso, a inserção de etapas de seleção com critérios técnicos e de habilidades, além da prova técnica, também parece ser lugar comum entre os países, sendo que diversos métodos podem ser testados aqui.

Para selecionar candidatos que sejam tanto considerados adequados para o cargo como que sejam viáveis politicamente, os países têm utilizados diferentes métodos de decisão final do selecionado. Algumas vezes a decisão é tomada por um órgão centralizado e externo à organização composto tanto por situação e oposição, ou às vezes há uma pré-seleção por competência, seguido por indicação política.

Uma gestão de performance bem definida, com um plano de carreira estruturado também tem um papel importante para garantir que os funcionários se mantenham empenhados e motivados em seus postos. A facilitação da mobilidade de funcionários em diferentes instituições dos governos tem um papel duplo de permitir a gestão de capacidade e oportunidades de desenvolvimento.

Acredito que muitos dos processos vistos nos outros países poderiam trazer muitas melhorias na gestão pública brasileira. Deixo aqui a minha proposta para discutirmos mais essas questões e trazermos métodos mais inovadores para o Brasil.

[1] https://folhadirigida.com.br/noticias/tema/especial-noticiario/diferencas-entre-o-servico-publico-no-brasil-e-no-exterior

[2] Sundell, A.; What is the best way to recruit public servants?;  Department of Political Science University of Gothenburg https://qog.pol.gu.se/digitalAssets/1378/1378579_2012_7_sundell.pdf

[3] https://quarterly.blog.gov.uk/2018/07/03/a-new-approach-to-recruitment-and-promotion-in-the-civil-service/

[4] Entrevistas feita pela Patrícia Duarte com locais do Canadá e da França

[5] https://oecd-opsi.org/the-edge-of-government-innovation/

[6] https://www.govloop.com/community/blog/innovative-methods-reshaping-government-recruitment/

[7] https://www.governing.com/topics/mgmt/gov-government-hiring-best-practices.html

[8] https://www.instituteforgovernment.org.uk/news/latest/new-index-ranks-best-performing-civil-services-world

[9] Benchmarking feito pela empresa BCG para o grupo Agenda do Futuro.


unsplash-logoClem Onojeghuo

7 thoughts on “Admissão de pessoal no governo

  1. Ótimo texto, é muito interessante saber como existe diferença entre os países, e desta forma questionarmos o quanto é eficiente selecionar pessoas para concurso público apenas por provas de conhecimentos específicos, sem entrevistas como no setor privado. Cheguei a fazer um trabalho de faculdade sobre este assunto, afinal, no setor privado o processo seletivo é muito diferente do público, que por exemplo, em geral, não costuma levar em conta maturidade emocional ou experiências passadas, storytelling, etc.
    Infelizmente não encontrei o Brasil no International Civil Service Effectiveness Index, pelo jeito não entrou.

  2. Muito interessante, no meu concurso além das provas também tem os documentos em anexo para comprovar a capacitação. Quanto a Estabilidade se difere no Brasil da privada pois na privada além do fundo de garantia o colaborador tem muitas oportunidades dentro da empresa quando atua com seu potencial, já no setor público não há este estímulo nem financeiro e nem de reconhecimento. Há muitos colaboradores que se enquadram em nepotismo, favoritismo entre outros que são severamente punidos em outros países. Mas estamos no caminho para as mudanças. Estou adorando participar desse conhecimento.

  3. Excelente análise. Sabemos que há muitos nerds sem habilidade alguma no setor público. Depois que entram, é muito difícil retirá-los e oportunizar vaga para quem realmente tem habilidade e competência para executar as atividades inerentes ao cargo.

  4. Muito bom, esperamos que no Brasil venhamos ter uma mudança para a contratação dos funcionários públicos. Um processo onde realmente está em jogo as competências, quem ganha com tudo isso será o nosso Brasil.

Deixe uma resposta